Título: O radar da inépcia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Notas & informações, p. A3

Uma das primeiras providências tomadas pelo presidente da República, assim que assumiu o governo, em janeiro de 2003, foi pedir ao Ipea e ao IBGE a definição de um critério preciso para avaliar o tamanho da pobreza no País. Escaldado pelos debates que travou com seus adversários durante as quatro disputas presidenciais de que participou, Lula sabe o quanto o tema se presta à demagogia. Dois anos e cinco meses depois, o Ministério do Planejamento, ao qual aqueles dois órgãos estão vinculados, acaba de divulgar parte do trabalho encomendado pelo chefe da Nação.

Trata-se do "Radar Social", um estudo que reúne os dados já coletados por diversas instituições governamentais sobre educação, saúde, trabalho, renda, moradia, saneamento e segurança. A idéia era definir um limite oficial de pobreza, para permitir uma melhor formulação e avaliação das políticas públicas, pois as estatísticas disponíveis sempre foram discrepantes. Até hoje, a imprensa, os meios acadêmicos e o próprio poder público usam pelo menos quatro definições distintas do limite de pobreza, como a do Ipea, a do IBGE, a da Fundação Getúlio Vargas e a do Banco Mundial. No entanto, para tentar mostrar que o governo do PT não está parado no campo social, o estudo também incluiu suas iniciativas nas sete áreas pesquisadas.

Esse foi seu erro. Das 71 políticas públicas listadas com destaque, muitas ainda nem sequer saíram do papel, enquanto outras foram praticamente abandonadas, por falta de foco, ou estão sendo implementadas de modo excessivamente lento, por escassez de recursos. Por isso, se por um lado a idéia de mapear o número de pobres com base numa definição oficial de pobreza merece aplauso, por outro o documento é quase uma obra de ficção.

Uma das iniciativas mencionadas é o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Concebido pelo Ministério da Educação contra forte resistência do Ministério da Fazenda, que duvida de sua eficácia, ele ainda depende de aprovação do Congresso. Outro programa é o Primeiro Emprego, criado pelo Ministério do Trabalho. Seu objetivo era empregar 260 mil jovens até 2006. Mas, até agora, ele só gerou 36 mil postos de trabalho, menos de 15% da meta prevista, o que não é mencionado no estudo. Já o programa Habitação de Interesse Social se encontra paralisado.

Além disso, dos R$ 932 milhões de gastos previstos para o Programa Saneamento Ambiental Urbano, de responsabilidade dos Ministérios da Saúde e das Cidades, até 20 de maio havia sido liberado apenas 0,75% desse montante. Os programas Luz para Todos e Habitar-Brasil estão na mesma situação. Das verbas previstas para 2005, até o momento só foram liberados 2%. O estudo também destaca a criação de projetos de assentamentos e a desapropriação de 1,3 milhão de hectares de terras, sem, contudo, registrar que as duas iniciativas estão muito aquém das metas previstas.

Questionado sobre o medíocre desempenho do governo na área mais cara ao PT, a social, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, saiu pela tangente, afirmando não ter lido o trabalho preparado por seus subordinados. Por sua vez, o presidente do Ipea, Glauco Arbix, criticou a cobrança de resultados de curto prazo das políticas públicas. "Um programa precisa ter tempo para amadurecer", disse ele, esquecendo-se de que os atuais dirigentes só têm mais um ano e sete meses de mandato, para deixar realizações dignas de nota no campo social.

É um prazo de tempo pequeno diante do tamanho dos problemas nessa área. Segundo o estudo, 31,7% da população vivem com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo. Ao todo, são 53,9 milhões de brasileiros nessa situação, com base em números de 2003. Em termos de distribuição de renda, o documento revela que o Brasil está em penúltimo lugar, na comparação com 129 países. Nenhum desses dados é desconhecido, já que a proporção de pobres e os índices de desigualdade permanecem estáveis há dez anos.

Por isso, se definir uma linha oficial de pobreza era uma iniciativa oportuna e louvável, ao aproveitá-la para mascarar seu fracasso na área social, alardeando programas mal formulados e mal implementados, o governo se meteu em mais uma trapalhada. O que já não causa surpresa, tal a incapacidade dos atuais dirigentes de pôr em prática o que prometeram na última campanha eleitoral.