Título: Entrevista - Maioria das comissões não conclui trabalhos
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Nacional, p. A6

Uma pesquisa da cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e do Cebrap, mostra que nos dois períodos democráticos recentes (1946/1964 e de 1985 até hoje) houve mais ou menos o mesmo número de pedidos de CPIs. No período antigo, 87% delas chegaram ao relatório final - no atual, apenas 17% foram concluídas. Argelina aponta duas razões para isso. Uma é que a Constituição de 1988 aumentou os controles do Executivo sobre o Legislativo; outra é que os governos estão aprendendo a safar-se das CPIs, antecipando as investigações dos fatos denunciados. De toda forma, os governos temem as CPIs mesmo sem culpa em cartório porque elas paralisam o Congresso e, por conseguinte, o governo. E também porque elas dão espaço privilegiado para a oposição aparecer. Eis a entrevista:

Por que os governos, em geral, detestam as CPIs?

Nem sempre é porque temem ser incriminados, mas, em primeiro lugar, pelos efeitos de paralisia que uma CPI rumorosa impõe ao Congresso e ao governo. Pela ótica do governo, seja ele conivente ou não com os fatos apurados, é sempre preferível que não haja CPI. Por outro lado, a CPI gera um grande debate público que dá espaços relevantes à oposição.

E o que deve fazer o governo?

A CPI de Collor chegou ao presidente. A CPI atual pode, eventualmente, ficar circunscrita ao PTB. Um bom passo para isso é o governo tomar providências rápidas para apurar o caso. Mas dependendo da demora da CPI e do espaço que ela consiga na opinião pública, pode existir uma utilização política dos atores em jogo.

O funcionamento das CPIs mudou do primeiro período democrático para agora?

Nos dois períodos (1946/1964 e 1985/2005), a média de CPIs é mais ou menos a mesma. O que mudou muito é que hoje as CPIs não são concluídas. No primeiro período, 87% das CPIs instaladas aprovaram um relatório final; no período contemporâneo, apenas 17% delas foram concluídas.

Das que não foram concluídas, muitas pretendiam investigar atos do governo?

Sim. No período atual, a grande maioria das CPIs concluídas tinha temas que não afetavam muito o Executivo. Por outro lado, algumas CPIs que afetavam o governo não foram concluídas. Isso não acontecia no período 1946/1964.

O que leva a isso?

A primeira conclusão a que cheguei é que nos tempos atuais, depois da Constituição de 1988, o governo passou a ter muito mais controle sobre a atividade e a agenda do Congresso.

O que avançou no combate à corrupção pública no Brasil?

Dois fatores que se seguiram à retomada do poder civil foram fundamentais. Um deles foi a ampliação dos poderes de investigação do Congresso. Outro foi que, com a liberdade, a imprensa tornou-se investigativa e competente.

Qual foi mais corrupto, o Brasil dos militares ou dos civis?

As pessoas tendem a achar que o Brasil democrático é mais corrupto, mas é o contrário. Os fatos que nos últimos 20 anos geraram investigações de CPIs são relacionados com a corrupção que grassou durante o regime militar. Com a democratização, os esquemas de corrupção vieram a público, mas eles existiam há tempos.