Título: Santa Cruz tenta se separar da Bolívia - há dois séculos
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Internacional, p. A14

Santa Cruz de la Sierra é atualmente a região mais rica da Bolívia. Sob seu solo existem grandes jazidas de gás e petróleo. Sobre seus 700 mil quilômetros quadrados a agropecuária floresce e o setor industrial começa a despontar com força. Ali - na região conhecida como la media luna (lua crescente), por seu formato geográfico - onde se produz um terço do PIB, residem quase 30% da população boliviana. Historicamente os crucenhos se consideraram ignorados pelo poder central, em La Paz, que se preocupava somente com a área ocidental do país.

Mas, nas últimas décadas, Santa Cruz prosperou, enquanto o ocidente declinou abruptamente. Os crucenhos começaram a sentir que estavam sustentando o lado mais pobre do país. Dessa forma, ao longo da última meia década, os movimentos autonomistas e separatistas ressurgiram com força.

Na sexta-feira, o Movimento Cívico-Empresarial Comitê Pró-Santa Cruz, apoiado por empresários, intelectuais e políticos locais, ratificou a convocação de um referendo sobre a autonomia regional. No dia 12 de agosto os crucenhos irão às urnas definir sua autonomia.

Com essa convocação, o Movimento Cívico-Empresarial - que instituirá uma Assembléia Provisória Autônoma - desafia o presidente Carlos Mesa, que marcou o referendo para o dia 16 de outubro, com a Assembléia Constituinte. 'O centralismo já caducou', disse o presidente do Comitê, Germán Antelo.

Na quinta-feira, a cidade de Santa Cruz foi cenário de violentos choques entre camponeses do Movimento sem Terra e do Movimento ao Socialismo (MAS) e membros da União Juvenil Crucenha (UJC). Esta última é apontada como a força de choque dos empresários e latifundiários de Santa Cruz.

Os crucenhos - especialmente os vinculados ao grupo Nação Camba, o mais radical dos grupos autonomistas - fazem questão de diferenciar-se de seus vizinhos do Altiplano, como é conhecida a área ocidental do país.

Eles se consideram-se 'mais brancos' que seus compatriotas 'mais indígenas' do Altiplano.

Mestiços de guaranis e espanhóis - com forte presença de comunidades alemãs, croatas e árabes - criticam as etnias aimará e colla do ocidente boliviano, que consideram 'atrasadas, preguiçosas e agressivas'. 'O centralismo absorvente e parasitário devorou a riqueza de Potosí e Oruro', diz o deputado William Cardozo, representante do Chaco, da região oriental do país.

Em La Paz, Oruro e Potosí, o coração da velha Bolívia, que na época colonial denominavase Alto Peru, os crucenhos são criticados por suas aspirações autonomistas. 'Nazistas' é uma das mais suaves acusações lançadas do lado ocidental, além das denúncias de que os movimentos autonomistas estão sendo financiados pelas grandes empresas petrolíferas estrangeiras.

Evo Morales, líder do MAS, ironizou as aspirações de Santa Cruz: 'antes de serem governados por indígenas, eles preferem separar-se da Bolívia.' Os movimentos autonomistas e separatistas foram freqüentes em Santa Cruz nos quase 200 anos de história independente da Bolívia. Em 1810 os nativos comandados pelo coronel Antonio Suárez rebelaramse contra a coroa espanhola e começou a governar-se por conta própria. Mas, em 1825, a região foi incluída - sem ser consultada - pela nova república da Bolívia. Em 1831, o governo central sufoca uma rebelião independentista. Outra revolta - desta vez com bandeira e hino incluído - é esmagada em 1864.

Os movimentos independentistas ressurgiram em 1921 e durante a revolução de 1924. Nos anos 30, a guerra do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, estimulou os movimentos separacionistas. Patrocinados pelo governo paraguaio, no dia 12 de maio de 1935 oficiais crucenhos, em Assunção, proclamaram a República de Santa Cruz.

No entanto, as aspirações de uma república encravada entre o Brasil, Paraguai e o resto da Bolívia jamais puderam concretizar-se.