Título: Todo mundo hoje é Agente 86
Autor: Eric Eckholm
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Internacional, p. A15
Se for verdade, como reza um antigo provérbio chinês, que crise é igual a oportunidade, então os atentados de 11 de setembro de 2001 geraram uma mina de ouro. Bilhões de dólares têm sido despejados em segurança pelo Departamento de Segurança Interna, Pentágono, polícia e corporações. Com tanto dinheiro disponível, mais de 500 expositores numa conferência sobre segurança realizada aqui na semana passada estavam dispostos a colher seu quinhão. É de presumir que as ferramentas e as armas mais futurísticas para rastrear e capturar possíveis terroristas não estivessem em exposição. Mas, se as mercadorias e serviços apregoadas na conferência servirem de exemplo, a premente busca por mais segurança desencadeou a criatividade de inventores e especialistas em marketing.
As apresentações incluíram equipamentos sofisticados, como um dispositivo de comprovação de identidade que lê o padrão único dos vasos capilares de um dedo e itens mais comuns como luvas de borracha grossas para trabalhar no cenário de uma catástrofe.
Principalmente uma feira de negócios, a conferência contou com a presença de milhares de compradores em potencial, incluindo representantes de órgãos federais e policiais de pequenas cidades que contemplaram cobiçosamente dispositivos fora do alcance de seu orçamento.
E num box ocupado pela Meganet Corp. de Los Angeles, a mensagem implícita era ficar atento a um telefone celular dado de presente. A empresa, que produz software de codificação para tornar os dados mais seguros, está diversificando, apresentando um dispositivo que torna menos seguras certas conversas por telefone celular.
O seu novo Spy Phone (Telefone Espião) tem a aparência de um Nokia comum e na mão da pessoa que está sendo monitorada funciona como um celular normal. Mas o aparelho contém um microfone e um transmissor que podem ser ativados a distância por meio de um número especial que não faz soar o telefone. A partir daí, as conversas telefônicas passam a ser ouvidas e gravadas. O microfone também pode ser ativado quando o telefone estiver desligado de forma a funcionar como um dispositivo de escuta.
A mesma empresa fabrica um aparelho capaz de gravar 228 conversas em celulares de uma só vez. Entretanto, atuando dos dois lados desta fronteira, a empresa também faz bloqueadores para celular, que podem obstruir todos os sinais de telefone celular em torno do usuário, impedindo a escuta indevida. Os bloqueadores também podem ser usados para interceptar sinais de telefone celular destinados a detonar bombas.
Os bloqueadores podem encontrar um mercado prontamente disponível entre os consumidores aborrecidos pelo toque onipresente dos celulares, mas os dispositivos, assim como o Spy Phone, só podem ser vendidos a órgãos federais aprovados e a governos amigos.
Outros produtos, entretanto, têm maior potencial para serem subprodutos ao consumidor. A American Technology Corp., de San Diego, por exemplo, expôs um alto-falante ultra-sônico capaz de concentrar um som audível, parecido com laser, de forma que a mensagem de alerta possa ser ouvida claramente a mais de 450 metros de distância.
Se aparecer um intruso ameaçador, o aparelho envia um grito extremamente agudo "acima do limiar da dor e abaixo do nível de perda de audição", disse Ryk Williams, porta-voz da empresa, que fará com que qualquer pessoa tampe os ouvidos a mais de 900 metros de distância.
O alcance do som pode ser estreitado de forma que somente um pequeno grupo numa multidão possa ouvir a mensagem. Cogitando futuras aplicações para a tecnologia, Williams sugeriu que talvez possa ser usado num supermercado, por exemplo, para enviar uma mensagem de "compre Cheerios (uma determinada marca de cereal)" a um consumidor que esteja em frente aos Cheerios ou "compre Corn Flakes (outra marca de cereal)" a um outro consumidor nas proximidades.
Um tema freqüente na conferência foi a necessidade de melhorar o treinamento de policiais, bombeiros e outros trabalhadores em situação de emergência para capturar terroristas ou enfrentar o tipo de calamidade que eles podem gerar. Um outro tema repetido e inesperado foi a necessidade de treinar a retirada às pressas de pessoas feridas ou cadáveres. Os cadáveres são pesados e, como os nutricionistas têm observado, cada dia ficam mais pesados, e ensaios realistas são raros.
O Leopard Challenge, que foi operado dentro do centro de conferência, é um curso para superar obstáculos nos quais os participantes disparam balas de laser em alvos e bonecos algemados ao mesmo tempo em que escalam muros e atravessam janelas. Desenvolvido pela OnTarget Challenge, de Burntonsville, Maryland, é usado em treinamentos.
A prática com o Leopard Challenge envolve arrastar um boneco de 80 quilos por cerca de 27 metros até a linha de chegada. "Estamos tentando fazer a coisa o mais realista possível, mas ainda não chegamos lá", disse Keith Barret, um gerente da empresa, observando que o americano médio agora pesa 85 quilos e um policial de porte médio com seus acessórios pesa mais de 90 quilos.
A Dummies Unlimited também se destina a atender a esta necessidade pouco divulgada. Conhecida durante década pelo seu Numb John (João Bobo), um boneco volumoso para treinamento policial no uso apropriado do cassetete, a empresa com sede em Pomona, Califórnia, expandiu recentemente seu repertório. O Cuff-Mann movimenta as articulações de forma realista e permite ser derrubado e algemado violentamente. Outro boneco anatômico, Rescue Randy, é descrito como oferecendo um treinamento realista da retirada de feridos. Uma versão pesa 65 quilos e outra, 75 quilos. A empresa não disse se pretende fazer um modelo mais pesado.