Título: Extrema direita atrai cada vez mais jovens alemães
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Internacional, p. A16

Diante de pais liberais e tolerantes em relação a sexo, drogas e rock and roll, um número cada vez maior de jovens alemães se rebelam adotando o extremismo de direita. A moda, a música e a ideologia neonazistas se tornaram parte importante da cultura jovem alemã. De onde veio esta imagem "alemã"? Difícil dizer quem primeiro apareceu numa festa com uma camisa da Lonsdale, marca da moda neonazista, amaldiçoou "os russos" ou baixou da internet os últimos CDs da renegada banda germânica de heavy metal Kategorie C, de Bremen.

Mas Christian, Stefan e Andy nem querem saber como tudo começou. Acham que são garotos de bem que vivem com famílias decentes numa pequena cidade a oeste de Munique. Eles estão no fim da adolescência, prestes a concluir o ensino médio. E dizem que há estrangeiros demais "em nosso país". Dizem que "eles" deveriam sair, pois assim as coisas certamente ficariam melhores.

Os três acreditam que, se os estrangeiros saíssem, haveria mais empregos e menos turcos desempregados recebendo dinheiro do governo. Não haveria traficantes albaneses nas ruas nem rapazes islâmicos machões batendo em suas namoradas. Eles também não correriam mais o risco de ser espancados por grandes grupos de "russos" numa noite de sexta-feira diante de seu bar favorito. Eles dizem que são "os russos" que sempre atacam primeiro.

Christian, Stefan e Andy não são do tipo briguento. Eles repetem o estúpido palavreado xenófobo, mas não são apenas malfeitores obtusos. Eles dizem que nunca votariam no partido de extrema-direita NPD - ou ainda não, de qualquer modo. Eles dizem que têm medo. Medo dos estrangeiros violentos em sua própria cidade. Tanto medo, de fato, que eles nem quiseram revelar seus nomes verdadeiros.

Para não ficar com o nariz sangrando, eles usam um desvio através de quintais quando saem na sexta-feira à noite. Depois do colapso da União Soviética, o bairro perto da estação ferroviária se tornou um gueto de imigrantes. São jovens alemães nascidos na Rússia (descendentes de alemães étnicos) que percorrem, bêbados e em grande número, as ruas e vielas do centro da cidade procurando briga. Primeiro, diz Andy, eles cercam a vítima, depois começam a empurrá-la, e finalmente lançam-se sobre ela aos socos. Desde então, os três adolescentes, todos altos e fortes, evitam o posto de gasolina e o estacionamento do clube atlético, lugares onde os russos costumam ficar.

Essa postura defensiva é conhecida como Deutschtümelei, ou defesa de tudo o que é alemão. É uma atitude de "nós contra eles", "nós contra os russos", ou turcos, ou albaneses. Os jovens alemães não sabem mais como diferenciar estrangeiros criminosos de cidadãos alemães pacíficos nascidos no exterior. E estão convencidos de que sua geração não deve mais ser responsabilizada pelos crimes de Hitler.

Não seria melhor ir à polícia ou falar com os pais? "Eles", afirma Stefan, "não têm a mínima idéia do que está acontecendo. E a polícia nem aparece mais. Eles não ligam."

Um dos garotos diz que sua mãe, que ele caracteriza como "mais à esquerda", ficou aflita quando ele e um grupo de amigos amarraram a bandeira alemã à sua barraca num acampamento de verão. "Ei, rapazes", disse ela, furiosa, "vocês devem estar malucos. Onde vocês pensam que estão?" Mas a mãe do garoto aparentemente não notou que todas as barracas ao redor tinham bandeiras - holandesas, britânicas e húngaras - e que ninguém parecia se importar com isso.

"Não nos deixam ser patriotas. Não nos deixam ter orgulho de nosso país, mas eles podem. Por quê? É realmente irritante", dizem os rapazes.

Assim, agora eles usam algo que chamam de insígnia secreta da cena direitista: tênis da marca New Balance. O "N" nos calçados, para eles, quer dizer "nacional", algo que nunca ocorreria às mães. Eles ouvem canções de bandas como St¿rkraft (Força Perturbadora) e têm o cabelo cortado rente. E, em vez de transformá-los em marginais na escola, sua música e seu corte de cabelo chegam a ser considerados chiques nos colégios alemães hoje em dia.

De modo silencioso e persistente, uma nova cultura jovem se desenvolveu tanto no leste quanto no oeste da Alemanha. Ela é germânica, xenófoba e potencialmente explosiva.

Enquanto o governo alemão faz seu melhor para banir manifestações neonazistas em memoriais das vítimas dos nazistas, o extremismo de direita ganha adeptos em escolas, casas de shows e reuniões de jovens. O "humor nacionalista" se tornou "crônico e disseminado" na antiga Alemanha Oriental, afirma Bernd Wagner, especialista em extremismo. Mas é difícil os jovens dessa região encontrarem muitos estrangeiros. Segundo um estudo do Escritório Estadual de Educação Política da Baviera, o extremismo de direita desses jovens é um protesto - até mesmo uma revolta - contra os valores mais liberais, de classe média, do oeste.

A maioria dos jovens direitistas, tanto no oeste quanto no leste, não está disposta a se envolver em violência, mas de qualquer modo prepara o terreno para skinheads e criminosos. Os primeiros efeitos deste processo já são sentidos. Em seu recém-divulgado relatório anual, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição observa que os grupos neonazistas tiveram índices de crescimento de mais de 25%. O número de crimes e atos violentos cometidos por extremistas de direita também aumenta, assim como a freqüência de shows de skinheads. O ministro do Interior, Otto Schily, diz que o cada vez mais agressivo movimento de extrema-direita é motivo de "grande preocupação".

Muitos pais e professores estão absolutamente perplexos com as tendências xenófobas dos jovens. Trata-se de pais e mães que viraram adultos nos anos 60 e deram aos filhos uma educação liberal, e cujo maior temor era de que eles usassem drogas. Os pais foram pegos totalmente de surpresa pelos sentimentos direitistas dos jovens alemães. Uma mãe de Bremen se mudou para o interior com o marido e os três filhos há poucos anos. "Tudo é maravilhoso aqui", pensou ela logo depois de se instalar no novo lar. Dois anos e meio depois, percebeu que estava redondamente enganada. Completamente equivocada.

Com o passar dos anos, o garoto ficou cada vez mais atraído pela cena direitista local. Os pais perceberam todos os sinais físicos, mas nenhum muito significavo para eles. Nada grave a ponto de fazer soar a sirene. Afinal, como ela e o marido poderiam saber que as blusas da Lonsdale e Pitbull são especialmente populares entre os extremistas de direita? "São roupas caras, por isso apenas pensei que elas deveriam ser de boa qualidade, de marca", diz a mãe.

Houve um incidente que preocupouo casal um pouco, mas pelos motivos errados. Um dos novos amigos de seu filho apareceu com uma jaqueta com a palavra Bierpatrioten (Patriotas da Cerveja), nome de uma banda direitista. A mãe interpretou isso como um sinal de que seu filho talvez estivesse bebendo demais. Era muito pior que um porre eventual.

Mas a tendência direitista do jovem acabou se tornando mais evidente para os pais. Ele ouvia CDs com títulos como Vingança por Rudolf Hess e foi visitado pela polícia, que o acusou de ter espancado um polonês com a ajuda de dois amigos. Finalmente, a mãe achou que já vira o suficiente. Ela expulsou o garoto de casa. As palavras de despedida dele foram: "Heil Hitler!"