Título: 'Maioria iraquiana quer a paz'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Internacional, p. A16

Uma nova onda de antiamericanismo se abateu sobre o mundo muçulmano por causa das revelações sobre os abusos em Guantánamo e na prisão afegã. O senhor acha que está se tornando cada vez mais difícil justificar a aliança com os EUA? Essas revelações realmente criam problemas. O incidente mais importante foi a profanação do Alcorão, que nenhum muçulmano pode tolerar. Isso alarmou o mundo muçulmano e todos os governos, especialmente no Paquistão.

O antiamericanismo ainda está em alta no Paquistão?

Ele surge e tem uma certa data de validade. Mas nós temos uma direção estratégica, que não nos afeta.

A ferida aberta do mundo islâmico é o Iraque?

Inicialmente, quando o Iraque foi atacado, não havia dúvidas de que Saddam (Hussein) era um líder cruel. Mas as operações militares não foram concentradas no centro de gravidade, como dizemos no jargão militar. O centro de gravidade era um indivíduo, Saddam. Toda a ação deveria se concentrar nele, mas foi centrada no país inteiro. Isso teve um impacto negativo vital, porque criou a impressão de que um país muçulmano estava sendo invadido.

Mas muçulmanos iraquianos não estão sendo mortos por terroristas muçulmanos? A Al-Qaeda não está presente em todas as partes do Iraque?

Uma organização como a Al-Qaeda é bem distribuída pelo mundo. Na realidade, todos os outros grupos terroristas se uniram a eles. Seu interesse é atacar as forças americanas ou ocidentais. Eles estão concentrados de verdade lá.

A pergunta que o Pentágono e a Casa Branca continuam fazendo é: o que os insurgentes querem? Eles estão matando soldados e civis americanos, mas em quem eles estão mirando?

Uma maioria do povo iraquiano, tenho certeza, quer um Iraque estável, unificado e integrado para ser governado pacificamente. Mas esses insurgentes tratam como inimigos todos aqueles que se unem ao governo e que mostrem estar do lado dos EUA. Não acho que os insurgentes tenham uma agenda para o Iraque. Eles têm uma agenda contra os EUA.

O Paquistão foi criticado pelo Ocidente por caçar Osama bin Laden sem muita convicção. Qual sua resposta para isso?

Fico muito contrariado, francamente. Quem mais está combatendo a Al-Qaeda além do Paquistão? Só o Paquistão eliminou mais de 700 terroristas das cidades e mais de 300 ou 400 das montanhas. Durante a guerra no Afeganistão, a Al-Qaeda entrou no Paquistão e nós acabamos com entre 200 ou 250 deles no estágio inicial. Depois, começamos uma operação para levar o Exército às áreas tribais do Waziristão do Sul.

Quem são os terroristas no Paquistão hoje em dia e que tipo de operações vocês lançaram?

Principalmente estrangeiros, que vieram para esta parte do mundo durante a invasão soviética. Durante dez anos, eles foram trazidos pelos EUA, pelo Ocidente. A Jihad começou lá.

Depois que um bando de terroristas foi capturado nas cidades, os outros foram para as montanhas de novo?

Na verdade, eles mudaram para as montanhas e nós lançamos nossas operações militares lá.

Quando foi isso?

A primeira operação foi lançada em outubro de 2003, mas depois as operações regulares começaram em janeiro de 2004. Originalmente, não tínhamos idéia de quantos membros da Al-Qaeda estavam lá. Essa região é montanhosa. Não há estradas, não há trilhas. Há sete áreas tribais nas quais o Exército nunca tinha entrado , eram inacessíveis.

O senhor está sugerindo que até aquele momento nenhum soldado paquistanês havia colocado o pé naquela parte do seu país?

Sim, foi a primeira vez.

O senhor recebeu apoio das tribos?

Sim. Nós entramos em contato com elas e fomos bem recebidos em todas as áreas tribais. Lançamos operações em cerca de quatro vales. Eram suas bases, seus santuários no Waziristão do Sul, a mais ao sul das sete áreas. Começamos as operações no Vale do Wana, seguimos adiante e os desalojamos.

Eles não usam mais telefones celulares?

Naquela época, eles ainda usavam. Então, os vigiávamos pelo ar. Foi assim que começamos a lançar essas operações no vale porque obtivemos informações de que eles estavam lá. Esses vales estavam sendo usados por eles como bases de comando, porque havia túneis por onde podiam escapar.

Esses túneis foram escavados antes do 11 de Setembro ou depois?

Tenho quase certeza de que foram feitos antes do 11 de setembro. Em um dos vales havia alguns complexos onde apreendemos dois caminhões de computadores e televisores. Eles estavam usando este lugar como sua base de propaganda. Matamos muitos deles.

Como sabemos, os terroristas normalmente se adaptam rapidamente às novas circunstâncias.

Eles pararam de falar ao telefone, começaram a fazer contato por mensageiros. O último que capturamos é o terceiro na cadeia de comando, Abu Faraj Al-Libi. Ele estava nas montanhas. Eles estavam comandando as operações por meio de um sistema de mensageiros. Pegamos cerca de 14 mensageiros.

Como Al-Libi vivia na vila? Estava sozinho ou em grupo?

Não sabemos exatamente. Estamos tentando estabelecer ligações. Ele estava em contato com (Abu Musab) Al-Zawahiri ou Osama bin Laden.

Ele está sendo interrogado? Vocês estão fazendo ele falar?

Ele nos deu pistas desses 14 mensageiros e muita informação, que estamos compartilhando com outros países.

Qual é a situação agora no Waziristão do Sul?

Há estradas agora. Há um agente político nas áreas tribais, que vem diretamente abaixo do Governador da Província da Fronteira Noroeste. O governador se reporta ao presidente. O Exército tem seu quartel-general em Peshawar, com tropas mobilizadas principalmente no sul do Waziristão, mas também em outras áreas tribais. Estamos gastando milhões de rupias em estradas, escolas e ajuda médica.

Onde está Osama bin Laden? Ele está vivo?

Sim, ele está vivo. Provavelmente, está no cinturão da fronteira, onde é fácil mudar de lado. Depois, há algumas áreas onde não há operações, então ele pode se mudar para lá.

O Exército também muda do Paquistão para o Afeganistão?

É uma grande área. O Exército não está no lado afegão em grande número para lançar operações em toda a área simultaneamente. É o Exército afegão que deveria tomar conta dessas áreas.

Há tropas estrangeiras nessa área, principalmente americanas?

Isso é trabalho de inteligência mais do que operacional.

Devemos estar preparados para vários anos de busca por Bin Laden?

Pense em quanto tempo Che Guevara ficou escondido. Essa é a primeira vez que entramos nessa área inóspita. Estamos melhorando, estamos indo adiante, estamos indo bem.

Alguma vez vocês chegaram tão perto de Bin Laden quanto em Tora Bora, em novembro de 2001, quando, até onde sabemos, ele estava subornando as pessoas que poderiam entregá-lo?

Não sei dizer se ele os estava subornando. Há algumas pessoas que o escondem por outras razões. Talvez existam pessoas que ainda o escondam e não estão contando. Então, não é uma questão absoluta, mas acho que estamos bem melhor e mais bem posicionados agora.

O senhor acha que ele ainda é o cérebro por trás da rede mundial do terrorismo?

As linhas de comunicação verticais e horizontais foram muito afetadas. Então, parece pouco provável que este homem, nas montanhas, esteja controlando as coisas no Iraque, na Palestina e por todo o Afeganistão e Paquistão.

O senhor sofreu dois atentados num curto espaço de tempo em 2003. Esses casos já foram esclarecidos?

No meu caso, quem planejou o ataque foi Al-Libi. Ele contratou empregados e um planejador chamado Amjid Frooqi, que nós eliminamos. Esse homem recebeu todo o financiamento, explosivos e armas. Ele iniciou uma busca por uma certa categoria de pessoas no Paquistão, organizações que eu chamo de extremistas. Ele selecionou as pessoas e as colocou em ação. Então, eu presumo que é assim que as operações acontecem.

O senhor acha que o Irã deve receber permissão para desenvolver seu projeto nuclear?

Somos contra qualquer proliferação. Somos contra qualquer outro país desenvolver aparatos nucleares. O Paquistão justificou sua opção pela energia nuclear com o desequilíbrio de poder no Sul da Ásia, depois que a Índia também adotou o poder nuclear. O Irã está se preparando para quebrar o monopólio de Israel no Oriente Médio. Mas o Irã não tem uma fronteira com Israel. Temos uma grande fronteira com a Índia, o que é uma verdadeira ameaça para nós.

O Paquistão ajudou o Irã e a Coréia do Norte a desenvolver a energia nuclear?

Uma pessoa do Paquistão os ajudou. Seu nome é A.Q. Khan e é muito difícil para pessoas como nós aceitarem que ele tenha se envolvido clandestinamente nesse projeto sem que ninguém no Paquistão soubesse.

Presidir países como Paquistão e Afeganistão deve tão difícil quanto tentar montar em um tigre. Quem se sai melhor nessa tarefa - o senhor ou Hamid Karzai?

Estamos numa disputa.