Título: Os conceitos até aqui estabelecidos, em xeque
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Vida &, p. A21

O que define um gêmeo? Melhor um 'pai' atraente ou um com características familiares?

A especialista em segurança da informação Lindiana Ribeiro Boaventura, de 43 anos, engravidou em sua terceira tentativa. Na primeira, foi até uma clínica de fertilização e escolheu o sêmen de um homem alto, loiro, de olhos claros e ascendência italiana. "Gostei porque os italianos gostam da vida familiar, e meu filho poderia nascer assim", explica. A inseminação não vingou. Ela tentou mais uma vez, com matéria-prima coletada do mesmo doador. De novo, nada. Na terceira vez, Lindiana pensou melhor. Achou mais adequado escolher um reprodutor com características físicas mais parecidas com as de sua família. Optou por um doador moreno claro, com cabelos lisos, 1,82 metro, nível superior. A gravidez emplacou. Na última segunda-feira, a mãe solteira saiu da maternidade e chegou em casa com o menino Leon, 3,50 quilos, 50,5 centímetros - e cabelos lisos como os do pai que jamais conhecerá. Em sua gincana pela procriação, Lindiana gastou um bom dinheiro. Só na primeira tentativa de engravidar, desembolsou R$ 17 mil. Também enfrentou uma maratona emocional. Ficou abalada a cada frustração, teve medo de contar para as pessoas que optou por uma produção independente. Passou por tudo e diz que agora está feliz da vida com seu garoto nos braços. "Meu ex-marido não queria ter filhos. Então me separei e procurei o sêmen de um doador anônimo. Não é bem melhor do que obrigar alguém a se reproduzir?", argumenta.

Ao lado do método do útero de substituição, a inseminação artificial em mães solteiras, separadas ou lésbicas está entre as técnicas reprodutivas de maior impacto nos conceitos familiares. Decididas a fazer valer seus instintos de reprodução, mulheres marcham até as gôndolas da fertilização e deixam para depois as eventuais conseqüências de parir um filho de pai desconhecido e condensado em uma plaqueta de laboratório. "Recebemos pelo menos uma mulher solteira por semana querendo engravidar", contabiliza Edson Borges Jr., diretor da Fertility - Centro de Fertilização Assistida.

Apesar da demanda, algumas clínicas recusam as clientes porque não há legislação específica sobre o tema. De modo geral, no entanto, a inseminação em mães solteiras não foge da polêmica que ronda absolutamente tudo o que diz respeito aos métodos de fertilização. A polvorosa vai daquilo que já é colocado em prática ao que está por vir.

NO VATICANO, EM BRASÍLIA...

No Vaticano, o papa Bento XVI prega boicote ao referendo que será feito pelo governo italiano sobre reprodução assistida, argumentando que a técnica contraria fundamentos humanos e morais. Em Brasília, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, entra com ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o artigo da Lei de Biossegurança que permite o uso de células-tronco de embriões em pesquisas. Em casa, os casais com problemas de fertilidade tentam modelar suas crenças.

Aos 37 anos, a advogada Laura Feldman tem uma filha de 1 ano e embriões congelados. Diz que tem por eles o respeito que se deve a possíveis filhos. "Eles são uma esperança de vida. Doaria para pesquisas. Mas não daria para outro casal. Tenho medo de que meu filhos possam vir a namorar irmãos", explica.

Além de provocar mudanças no campo dos costumes, a ciência coloca em dúvida até mesmo os próprios conceitos. Moradora de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, a pedagoga Alessandra Aparecida Junqueira Camara da Silveira, de 32 anos, gerou dois filhos e uma estranha dúvida. Em 1998, fez junto com o marido, o cirurgião dentista Marcelo da Silveira, de 32 anos, um tratamento de fertilização e congelou embriões de uma só fornada. Engravidou do filho João Marcelo, agora com 6 anos. A pedido do menino, que insistia em ter uma irmã, voltou à clínica e - do mesmo grupo de embriões - engravidou. Alissa, nome tirado pelo irmão de uma episódio da série Power Rangers, nasceu há duas semanas e foi apresentada como primeiro caso de irmãos gêmeos com seis anos de diferença. Para os próprios médicos da clínica que fez o tratamento - o Centro de Reprodução Humana Sinhá Junqueira -, a definição é dúbia. "Eles podem ser considerados gêmeos fraternos porque saíram do mesmo ciclo de ovulação, ma por outro lado não foram gerados na mesma época.

As novas técnicas começam a confundir conceitos determinados. E agora, o que são gêmeos?", diz o médico Ricardo Baruffi. Para a mãe, tanto faz. "A única coisa que quero é mostrar aos casais com problemas de fertilidade que ter filhos é possível", afirma. A.S.C.