Título: Brasileiros plantam no Uruguai para vender no Brasil
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Economia, p. B5

Muitos produtores gaúchos estão do outro lado da fronteira desde os anos 50 e agora enfrentam protestos de conterrâneos

RIO BRANCO - É consenso entre os arrozeiros do Norte do Uruguai que o cultivo do grão foi ali introduzido pelos brasileiros a partir dos anos 50 do século passado. As terras parecidas, a necessidade que o Brasil tinha de aumentar a produção e algumas oportunidades de negócios atraíram investidores do interior do Rio Grande do Sul. Hoje, eles estão totalmente integrados à comunidade local, embora mantenham casas em Jaguarão, Camaquã e Santana do Livramento e mandem os filhos estudar em Pelotas e Porto Alegre. Um dos pioneiros é Arthêmio Schrank, 68 anos, filho de arrozeiro de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre. Em 1963, ao ver reduzida a oferta de terras em Barra do Ribeiro, onde vivia, procurou campos no Uruguai. Começou a produzir em 1965 e hoje planta mil hectares em campos próprios e mais 1,2 mil em áreas arrendadas. "Quando cheguei, os brasileiros eram raros."

Hoje, os brasileiros são maioria entre os arrozeiros dos departamentos de Cerro Largo e Treinta y Tres. E preferem evitar polêmicas com os colegas gaúchos, deixando a briga política para Hugo Manini Ríos, um dos poucos remanescentes uruguaios na região de Rincón Ramirez, e presidente da Associação dos Cultivadores de Arroz do Uruguai.

Schrank até elogia as manifestações dos brasileiros. "Ninguém pode plantar por R$ 28 e vender a R$ 19", afirma, convicto de que uma alta de preços no Brasil favorecerá quem cultiva arroz no Uruguai. A proibição às importações pedida pelos brasileiros não passará, acredita Schrank. "O Uruguai só tem arroz e carne para vender", ressalta, convicto de que os parceiros do Mercosul, que enviam manufaturados para o país, estão na obrigação de receber seus produtos primários. "Essa rota é muito mais de entrada do Brasil para o Uruguai do que de saída do Uruguai para o Brasil", diz o uruguaio Javier Castiglione, plantador de 400 hectares.

Waldemar Ensslin, de 62 anos, chegou de Candelária nos anos 60, com o pai, e hoje tem netos no Uruguai. Ele diz que respeita o direito de protesto dos brasileiros, mas adverte: a repercussão prejudica os preços do Uruguai para outros mercados, como Irã e Peru.

Para o gaúcho Valdemar Vencato, de Rincón Ramírez, os brasileiros "têm razão ao pressionar, mas não quando dizem que podemos vender a US$ 7 (a saca de 50 quilos), pois nosso custo é maior do que este valor". O produtor emprega 20 pessoas, mantém uma escola na propriedade e se considera discriminado pelos brasileiros. "Investimos e produzimos aqui (no Uruguai) quando nosso País não era auto-suficiente", destaca, sem esconder a mágoa com os pedidos de barreira para o arroz uruguaio.

DO LADO DE CÁ

Enquanto o preço não pagar o custo de produção, os produtores brasileiros que podem retêm o produto no silo, rolam dívidas ou pedem paciência aos credores. É o caso de João Alberto Dutra Silveira, de Jaguarão, fronteira do Uruguai, que mantém 3,6 mil toneladas em estoque e calcula que ficará com 36% das contas a descoberto. "Não estou vendendo e não estou pagando", afirmou, durante uma mobilização na BR-116, quinta-feira, em Arroio Grande (350 km de Porto Alegre). "Pelo menos os credores entendem a situação."

João Carlos Furtado, de Arroio Grande, não teve o mesmo fôlego. Plantador de 80 hectares, sentiu-se obrigado a vender os 9 mil sacos que colheu por preços entre R$ 19 e R$ 20. "Faltaram R$ 80 mil nas minhas contas" - a diferença entre o que esperava receber e o que recebeu de fato. Para viver até a próxima colheita, Furtado diz que contará com o salário de professora da mulher e com a venda de um dos dois tratores que tem. E.O.