Título: Guerra do arroz abre crise no Sul
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Economia, p. B5

A nova crise nas relações internas do Mercosul colocou brasileiros contra brasileiros na "guerra" do arroz. Cerca de 40% dos produtores do grão no Uruguai e 35% na Argentina são gaúchos que apostaram na atividade quando o Brasil dependia de importações. Agora, eles se sentem discriminados pelos protestos dos conterrâneos que, desde o final de abril, vêm bloqueando estradas para exigir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a suspensão das compras dos parceiros do bloco comercial como uma das medidas necessárias para melhorar a cotação do grão. "Somos atacados por atitudes xenófobas", reclama o presidente da Associação dos Cultivadores de Arroz do Uruguai (ACA), Hugo Manini Ríos, representante de todos os produtores, inclusive brasileiros, no lado uruguaio. Para Manini, os produtores do Brasil deveriam fazer lobby para baixar impostos internos e trabalhar em parceria com os agricultores dos outros países do Mercosul para exportar para terceiros mercados, em outros continentes, em vez de falar em barreiras e proibições dentro do bloco.

"Quem está lá (no Uruguai) foi atrás de vantagens e agora deve assumir alguma desvantagem", responde o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Valter José P¿tter.

"Nós também queremos Mercosul, mas com assimetrias corrigidas", ressalta.

Consultor com clientes no Brasil, Argentina e Uruguai, Carlos Cogo, da Carlos Cogo Consultoria Agroempresarial, já fez as contas e concluiu que a diferença está restrita à carga tributária. A tecnologia está equalizada nos três lados e não há subsídio em lugar algum, até porque os governos de Buenos Aires e Montevidéu, em dificuldades financeiras, não teriam condições de oferecer incentivos a fundo perdido.

Os impostos é que variam de 37% a 41% no Brasil e de 18% a 20% no Uruguai, fazendo com que o custo de produção de uma saca de 50 quilos de arroz fique entre US$ 8,40 e US$ 8,80 ao sul da linha de fronteira e US$ 10 ao norte. O custo das máquinas agrícolas, fabricadas no Rio Grande do Sul e São Paulo, é menor no Uruguai do que no Brasil, por causa da desoneração das exportações.

Completamente dependente do mercado brasileiro, o arroz uruguaio também sofre com a cotação de US$ 7 a US$ 8 a saca, inferior aos custos de produção. Manini lembra que não há crédito para a atividade agrícola no Uruguai desde que 2001 e diz que os brasileiros que defendem salvaguardas deveriam considerar que o País importou neste ano 487 toneladas de arroz beneficiado de países que subsidiam a produção, como Estados Unidos e Tailândia e que, no ano passado, o volume dessas compras chegou a 165 mil toneladas. "Será que eles querem quebrar o Mercosul e deixar parte do mercado para quem subsidia?", pergunta, provocador.

Reunidas pelo consultor Cogo, as previsões de comércio de cada país mostram a dependência que os produtores de arroz da região têm do Brasil. Os argentinos produziram 1,1 milhão de toneladas para um país que consome 450 mil toneladas. Esperam exportar para o Brasil 450 mil toneladas e para terceiros 250 mil toneladas. O Uruguai produziu 1,05 milhão de toneladas para uma demanda interna de apenas 95 mil toneladas e aposta na venda de 600 mil toneladas para o Brasil e 350 mil toneladas para terceiros.

Até 2003, a oferta do Mercosul era equilibrada pela demanda brasileira, superior à produção interna. Cálculos da Federarroz indicam que a produção nacional de 12,2 milhões de toneladas, somada ao estoque de passagem de 1,3 milhão de toneladas, supera o consumo previsto de 12,6 milhões de toneladas. Incluída a oferta de 1,05 milhão de toneladas do Mercosul, o mercado está favorável ao comprador, tanto que o preço da saca, que chegou a R$ 32 há um ano, está próximo de R$ 20 atualmente.