Título: Da pizzaria doméstica à formalização total
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Economia, p. B6

Começou na feira hippie, há cerca de seis anos, em frente ao Hotel Othon Palace, na praia de Copacabana, como "uma tentativa desesperada, por total falta de opção". Ayrton Fatorelli, 44 anos, e sua esposa Joseneide Azevedo Soares, 45, levavam massa de pizza pronta do seu apartamento no próprio bairro, assavam em um forninho elétrico, acrescentavam um molho pré-pronto e orégano, e vendiam para os turistas. Ironicamente, a venda de pizzas na rua, que seria o início do negócio das vidas de Ayrton e Joseneide, foi também um ponto baixo. Ele, ex-diretor de uma empresa de transporte e músico (trabalhou com Tim Rescala), e ela, ex-modelo e gerente de loja, encararam a calçada da Avenida Atlântica apenas quando, desempregados, não enxergavam nenhuma outra alternativa de ganha-pão.

A pizza da feira hippie, porém, fez sucesso, e logo o casal engrenou um negócio informal de vender pizzas congeladas, feitas em casa, para minimercados e lanchonetes em Copacabana. Os bons ventos continuaram a soprar, o negócio foi crescendo e hoje Ayrton e Joseneide têm uma fábrica de pães, massas e salgados (com grande variedade de produtos) no bairro de Rio Comprido, na zona norte do Rio, que vende uma tonelada por dia, e fatura de R$ 80 mil a R$ 100 mil por mês, com 27 funcionários.

Entre o forninho elétrico na feira hippie e o casarão alugado em Rio Comprido, repleto de maquinário de panificação e confecção de massas, eles trafegaram o caminho da informalidade para o da total formalização - uma travessia que os micro e pequenos empresários muito bem-sucedidos fatalmente acabam tendo que fazer. No processo, também mudaram o nome da empresa de Massa Mundi para Supernova Indústria de Alimentos.

"Um concorrente acabou nos denunciando à vigilância sanitária", explica Ayrton, ao relatar a gota d'água que os levou a decidir por formalizar o negócio. A denúncia, é claro, veio na esteira do sucesso que o produto vinha obtendo, e no avanço nas prateleiras dos minimercados de Copacabana.

Na formalidade, o casal começou a enfrentar as complicações típicas das leis e normas brasileiras. Eles obtiveram o alvará municipal e a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para produzir as pizzas em casa, mas esbarraram na legislação estadual, que não permitia a inscrição de empresas com o mesmo endereço dos acionistas. "Nós tínhamos investido dinheiro no negócio, quase quebramos", diz Ayrton.

De novo, porém, um momento de apuros foi o estopim de um novo passo arriscado, e o casal alugou o andar de baixo do casarão na Rua Itapiru, no Rio Comprido, conhecida por ser linha cruzada de tiroteios entre quadrilhas de traficantes dos dois morros que a ladeiam. A vantagem, por outro lado, foi o aluguel extremamente barato. Originalmente, a Supernova fazia apenas uma linha sofisticada de salgados assados, incluindo a pizza. Neste ano, ao incorporar os equipamentos de outra empresa, aumentou sua produção em mais de dez vezes, e inclui uma grande linha de pães e massas, o que levou Ayrton e Joseneide a alugar o andar de cima do casarão.

PIZZA NA ROCINHA

A história da Supernova guarda alguma semelhança com a da Pizza Lit, na famosa favela da Rocinha, no Rio, fundada por Sérgio Soares de Almeida, 39 anos, há cerca de dez anos. Morador da Rocinha desde que veio da Paraíba com cinco anos, Sérgio completou o segundo grau técnico em escola pública, beneficiou-se ao ser selecionado para um programa de "menor estagiário" no Banco do Brasil, fez cursos incompletos de nível universitário na área de informática, e chegou a obter algum sucesso profissional criando e vendendo com um sócio um software pra gerenciar videolocadoras em meados dos anos 90.

Quando este negócio afundou, ele montou um barzinho onde vendia pizzas preparadas num pequeno forno a gás em um imóvel que possuía na Rocinha. O negócio cresceu e Sérgio teve de formalizá-lo. Por pressão da Pizza Hut, mudou o nome de Pizza Hit (ele assume a quase imitação) para Pizza Lit. Num momento posterior, com senso de oportunismo, adquiriu os equipamentos completos de uma pizzaria de Botafogo que ia fechar as portas, em troca de um computador velho e mais algum dinheiro.

Hoje, depois de recorrer ao microcrédito e à assessoria do Sebrae e de ter obtido destaque na mídia como exemplo de empreendedor em uma favela, Sérgio comanda um estabelecimento que fatura R$ 30 mil por mês, tem 16 funcionários, 30 mesas, ar-condicionado e já entrega 20% das pizzas, de moto, nos bairros luxuosos que cercam a Rocinha.