Título: Fumo amarga a falta de publicidade
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Economia, p. B10

Há cinco anos, as indústrias de cigarro brasileiras sofreram um duro golpe. O então ministro da Saúde e atual prefeito de São Paulo, José Serra, enviou ao Congresso um projeto de lei que proibia todo tipo de propaganda de cigarros, sancionado seis meses depois pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde então, o setor que movimentava mais de R$ 75 milhões em publicidade se viu sem a principal arma para promover seus produtos. "Estamos passando por grandes mudanças. Tivemos que desenvolver métodos e formatos novos de publicidade e também criar novas formas de medir o impacto das campanhas", explica Francisco Barreto, diretor de Marketing da Souza Cruz, empresa líder do setor no Brasil.

Entenda-se por campanhas, nesse caso, a disputa feroz pela visibilidade nos pontos de venda travada pela Souza Cruz e sua arqui-rival Philip Morris. A única forma de anúncio permitida pela lei são displays, cartazes e embalagens exibidos em pontos-de-venda, como bancas de jornal, padarias e botecos. É uma mudança dramática para empresas que sempre usaram uma máquina publicitária fenomenal.

Os anúncios da Souza Cruz, por exemplo, fazem parte da história da publicidade brasileira. Nos anos 30, contratava talentos como Noel Rosa para criar seus jingles. Nos anos 70 e 80, as propagandas passaram a trazer slogans que marcaram época, como "O importante é ter Charm", "Continental, preferência nacional", "Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum".

Pouco antes da proibição, em 1998, a Souza Cruz deu mostras de qual seria a tônica das campanhas de cigarro dali para frente: encomendou à agência DPZ os comerciais mais caros já feitos até então. Apenas nos três primeiros filmes, rodados no deserto da Namíbia, na Antártida e no Grand Canyon, foram gastos US$ 5,5 milhões para promover a marca Hollywood. Como comparação, o filme Central do Brasil, indicado para dois Oscars em 1999, custou US$ 2,9 milhões.

Com experiências desse calibre, não tem sido fácil para a Souza Cruz focar toda a sua máquina de marketing e publicidade em pontos de venda. "O foco mudou, o marketing que era voltado para a marca agora é todo dirigido para o cliente. As agências de publicidade ainda estão aprendendo a fazer esse novo tipo de propaganda", diz Barreto.

A indústria tenta investir em ações que denotem responsabilidade social, mas os resultados nem sempre são bons. A idéia da Souza Cruz patrocinar um programa de informatização do Poder Judiciário ao custo de R$ 1,5 milhão acabou se transformando em constrangimento no início do mês passado, quando o patrocínio foi esnobado por meio de uma decisão de um juiz federal de Brasília.

Os efeitos do torniquete aplicado pelo governo na indústria do fumo são visíveis nos números da gigante dos cigarros. Em 2001, a Souza Cruz vendeu 87 bilhões de unidades. No ano passado, foram 74 bilhões, ou seja, menos 13 bilhões de cigarros.

O lucro líquido apresentou queda nos últimos dois anos. Caiu de R$ 960 milhões em 2002, contra US$ 732 milhões em 2004. Vale ressaltar que, no mesmo período, as vendas cresceram, de R$ 5,8 bilhões para R$ 7,5 bilhões, como decorrência de reposicionamento de marcas, mudanças nos produtos e reestruturações.

A empresa, que detém 75% do mercado brasileiro e é parte do grupo British American Tobacco, centraliza hoje suas ações em oito marcas: Carlton, Free, Hollywood, Derby, Camel, Lucky Strike, Hilton e Kent. Esta última, lançada em 2002, é praticamente desconhecida de não-fumantes. "Não dá mais para fazer lançamentos nacionais sem a publicidade. Hoje, procuramos atuar em nichos que sejam mais lucrativos", diz Barreto.

A Souza Cruz tem investido em novidades derivadas das velhas marcas, como os Carlton aromatizados. Também tem tentado criar novos hábitos entre os fumantes. No entanto, essa última estratégia é arriscada. Em 2003, tentou introduzir no Brasil cigarros fabricados em Cuba, numa fábrica que possui em parceria com o governo cubano. Feitos com outra variedade de fumo, mais forte, os cigarros tinham nome de charutos cubanos, como Romeo y Julieta e Cohiba.

O brasileiro estranhou o sabor. As vendas foram suspensas e agora a empresa prepara uma nova estratégia para voltar a vender o produto.