Título: Diplomacia para demônios iniciados
Autor: Laura Greenhalgh
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Aliás, p. J4
Rubens Ricupero, 68 anos, não espera que lhe perguntem. Vai logo avisando: política, não mais. Diplomacia, já foi além do planejado. Agora quer lecionar, escrever e curtir São Paulo, a terra natal de onde saiu rapazola para fazer o curso Rio Branco, ingressar no Itamaraty e iniciar uma geografia pessoal que o fez viver em muitos lugares do mundo. Mas quem acredita que o embaixador, ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco e por nove anos secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) vai mesmo se restringir a uma sala de aula ou se entregar à solidão da produção literária? Na semana passada, quando a Europa viveu dias de fervura com a rejeição da Constituição européia em dois referendos importantes - o da França e o da Holanda -, Ricupero analisou o "não" que proliferou nas urnas e as repercussões disso no tabuleiro global. Esse foi o desafio que lhe foi proposto, na forma desta entrevista, pelo caderno Aliás.
As reflexões que foram surgindo denotam intimidade com a diplomacia. Ricupero acha que o resultado dos referendos não representa um golpe fatal na idéia de integração européia, mas admite que o processo de unificação, que vinha em ritmo acelerado, agora ganhou travas. Apela para analogias ao explicar as dobraduras da política internacional. Diz, por exemplo, que a Europa é um velho diabo experiente, capaz de conter o diabo americano, "mais jovem e com impaciências". Ao explicar que ainda não se desenhou uma visão única de continente - até porque existem os que sonham com o modelo liberal e os que preferem o modelo social -, apela para uma comparação inesperada. Argumenta que, como em muitos casamentos, os europeus dormem na mesma cama, mas sonham diferente.
E o que o Brasil tem a ver com isso? Tudo. Ricupero então avança pelos caminhos do Mercosul, fala do impasse da Alca, destaca prós e contras da política externa brasileira. Salomônico, tem elogios e reparos tanto para Fernando Henrique quanto para Lula. Assim como para os "Celsos" - Lafer e Amorim, respectivamente os chanceleres do presidente tucano e do petista. Assim se aloja no posto de observador independente. Às voltas com a mudança de Genebra para São Paulo, o que Ricupero quer decifrar é a confusão urbana que deteriorou a região do Gasômetro, no Brás, reduto de italianos onde nasceu. "E não é que eu ia da minha casa até a catedral a pé, passeando?" Agora ficou difícil, embaixador.
O que aconteceu com a idéia da integração européia? Foi para o espaço?
Não creio que o movimento do "não" seja o fim da União Européia (UE). É o fim dessa Constituição tal como foi proposta, não a perda de fé numa idéia. O resultado do referendo francês e do holandês aponta dois fenômenos: de um lado, o mal-estar que advém do sentimento de fracasso econômico e declínio demográfico justamente no núcleo fundador da Europa, em países como a França, a Alemanha, a Itália, a Holanda, a Bélgica, a Velha Europa. São os países que acreditaram na economia social, onde os sindicatos tinham voz, onde havia a proteção ao emprego e as decisões nasciam de consensos. De outro lado, esse modelo encontra-se sob pressão porque as economias desses países crescem pouco e o desemprego estrutural alcança 10% da força de trabalho.
O problema está no modelo?
Não só isso. Há uma conjunção de fatores alimentando o sentimento de perda de rumo. Isso se agrava com o fracasso de certas experiências. Só para dar um exemplo, Silvio Berlusconi foi eleito porque, sendo um grande empresário, comandaria uma reação econômica espetacular na Itália. Isso não aconteceu. O desempenho italiano é um dos piores do continente europeu. Daí bate aquela malaise, para utilizar um bom termo francês, um sentir-se descontente sem saber exatamente por quê. É uma insatisfação difusa que permeia a sociedade e se manifesta contra os governos.
Até o último momento, Chirac parecia não contar com o non...
Porque era inconcebível que a França rejeitasse a Constituição Européia. Os grandes pensadores da integração sempre foram franceses, como o ideólogo Jean Monet e o ministro dos Negócios da França Robert Schuman. Esses homens fizeram o Tratado de Roma, de 1957, celebrando a idéia de integração continental. O "não" francês era inconcebível para Chirac.
E custou a cabeça do primeiro-ministro francês, Jean-Marie Raffarin?
Difícil estabelecer uma linha divisória entre a rejeição à Carta européia e o desapontamento com o governo. Nas últimas eleições municipais, Chirac perdeu em todas as regiões, menos na conservadora Alsácia. Perdeu até em Poitiers, terra de Raffarin. O "não" francês também é a desaprovação a um governo exaurido. Há um fato ao qual poucos analistas têm dado atenção. O pai da idéia da constituição européia chama-se Valéry Giscard d'Estaing, um ex-presidente da direita, antepassado político de Chirac. O texto rejeitado exprime a visão liberal da Europa, na linha d'Estaing-Chirac.
Isso tem a ver com o movimento de afirmação das nacionalidades?
Há um medo da perda de identidade, sim. Uma sociedade homogênea, como a francesa, não consegue conviver com 5 milhões de muçulmanos. Em Amsterdã, crianças muçulmanas são maioria na rede de ensino. As sociedades da Velha Europa não têm a tradição brasileira de administrar a diversidade. E há também a crescente presença dos trabalhadores da Europa do leste, disputando postos de trabalho por salários muito mais baixos. Então, de um lado, os europeus sentem-se acossados etnicamente pelos muçulmanos e africanos. De outro, sentem-se despejados por trabalhadores que vêm da Polônia, da Eslováquia... Assim se disseminou a idéia de que a Constituição, por seu espírito liberal, facilitaria a entrada dos imigrantes e eliminaria empregos.
A Europa teme ficar empobrecida?
Exato, daí o ímpeto de pôr travas no processo. Vejo sinais do movimento antiglobalização, que seduz muita gente. Mais visível ainda é o renascimento do populismo de direita - com os ultraconservadores Jean-Marie Le Pen, na França, e J¿rg Haider, na Áustria, ou o pessoal do Lega Nord, na Itália, que é um movimento fortíssimo. O populismo de direita fala alto contra a imigração, o desemprego e a perda da identidade nacional.
E por que a extrema esquerda também adere?
Porque ela se desiludiu com a socialdemocracia, virou uma órfã política. O PC está acabando na Europa. Os socialistas se assemelham à centro-direita. O que sobra? Os verdes, de um lado, e a direita populista, de outro.
A integração começou com seis países membros, hoje tem 25 e está a caminho de 27 ou 30. Não é uma expansão rápida demais?
Começou nos anos 50 com o grupo dos seis - França, Alemanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos. Já foi um salto tremendo incorporar países pobres do Mediterrâneo - Portugal, Espanha e Grécia. Houve ali um choque de culturas, um desnível econômico que demandou vultosas transferências de recursos para os integrados. Financiou-se a prosperidade de Espanha e Portugal. Depois vieram os países do leste e o processo não pára. É uma digestão que requer tempo. Na unificação das Alemanhas, o desafio era mais simples por serem todos alemães, por falarem a mesma língua, por terem as mesmas tradições. Quinze anos depois, ainda não se conseguiu amalgamar as duas metades.
Não se contava com isso, embaixador?
Estamos vivendo um capítulo fascinante da História. A Europa ocidental nunca se uniu à oriental. Nem na época de Carlos Magno. É a primeira vez na vida do planeta que o continente europeu se unifica desde o penhasco de Gibraltar até Helsinque, desde as praias portuguesas do Atlântico até as fronteiras da Rússia. Agora se preparam para entrar na UE a Romênia, a Bulgária, todos aqueles países surgidos com o desmembramento da Iugoslávia, a Albânia, que é o país mais pobre da Europa, a Turquia. É muita gente!
A Turquia é um fator desencadeador de temores?
Giscard d'Estaing, por exemplo, autor da idéia da Constituição, é explicitamente contrário à entrada da Turquia, assim como toda a direita francesa e também a italiana. Esse ingresso poderá ser lento, porém é inevitável. A Europa precisa da Turquia para fazer a ponte com o mundo islâmico. Rejeitar isso seria admitir que não existe possibilidade de integração com os islâmicos. Não posso acreditar que essa seja a conclusão do processo histórico.
O euro será um elemento de coesão na Europa?
Mas também uma causa de tensão, pela obrigatoriedade de uma política de juros comum. No fundo, não existe uma visão unificada da Europa. Alguns sonham com a Europa liberal, parecida com Inglaterra e EUA. Outros, com a Europa social, com proteção ao emprego, com consensos tripartites. O fato de não haver um sonho único complica. André Fontaine, grande historiador da Guerra Fria e jornalista do Le Monde, ao analisar os anos da détente , em que soviéticos e americanos não estavam mais tão belicosos, porém ainda se confrontavam, recorreu a um provérbio chinês: eles dormem na mesma cama, mas sonham sonhos diferentes. E assim batizou um grande livro: Un seul lit pour deux rêves. A Europa vive hoje essa situação tão presente nos casamentos, digamos assim.
Em acordos dos últimos 50 anos, reservou-se à Europa o papel de continente indutor do processo civilizatório. Mas o senhor não acha que as mudanças globais passaram uma rasteira no projeto original?
É verdade. Um percalço como o de agora enfraquece a possibilidade de a Europa vir a ser um contrapeso efetivo à hegemonia dos EUA. A Europa seria e ainda é a melhor força moderadora das insuficiências americanas. Os EUA tendem a ver as ameaças do mundo de forma egocêntrica. Às vezes parecem não compreender que a solidariedade, assim como a paz, é indivisível. Não é possível querer a solidariedade mundial contra o terrorismo e não aderir ao Protocolo de Kyoto. Agora me lembro de um provérbio espanhol: o diabo é sábio não porque é diabo, mas porque é velho. A Europa é um velho diabo experiente, amaciado pelo tempo, pelas agruras da guerra. Já os EUA são um diabo jovem, com impaciências. Anjos, só no outro mundo.
Recorrer a referendos, como tem sido feito na Europa, significa que a democracia representativa anda desacreditada?
Não creio que a democracia representativa esteja em perigo, mas passa por um período difícil. Ela data do final do século 19, fruto do iluminismo, das duas revoluções, a americana e a francesa. Hoje, em virtude da globalização, das tecnologias da comunicação e da notável expansão do terceiro setor, ficou muito fácil os cidadãos se manifestarem. A internet é a praça do mundo, a ágora dos gregos. Já não se aceita a idéia de dar o voto a um senador ou deputado e, nos anos seguintes, acreditar que esses escolhidos vão dar conta do recado. Vem daí a idéia de dosar a democracia representativa com a participação direta. Uma das democracias mais sólidas do mundo é a Suíça. Pois lá um abaixo-assinado com 50 mil nomes é suficiente para contestar qualquer projeto ou lei. Há quem até reclame da banalização do referendo, pois se pergunta de tudo em consultas municipais, cantonais, nacionais. Hoje os jovens europeus vão para Ongs. No passado, iam para a juventude comunista. E o que é o Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, senão um grande parlamento?
Os impasses da UE terão impacto no Mercosul?
O Mercosul vive uma crise congênita, resultado de arroubos dos governos Menem e Collor em 1990. Mas lá no início da aproximação entre Brasil e Argentina, em meados dos anos 80, nos governos Sarney e Alfonsín, tentou-se construir um processo gradual e equilibrado. E, reconheçamos, o artífice disso foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, hoje vice-ministro de Relações Exteriores. Eu o ajudei naquele período, como assessor do presidente Sarney. Depois, com a entrada dos governos liberais, as ambições se acentuaram. Quiseram logo fazer uma união aduaneira. Na Europa chegou-se a isso ao longo de 30, 40 anos! No caso do Mercosul, quando então se decidiu aplicar os mecanismos do comércio livre, a superioridade industrial brasileira despertou reações. E vai continuar despertando. É preciso ter mais pragmatismo e paciência.
As relações entre Brasil e Argentina não têm sido fáceis. Há, no governo Kirchner, a recorrente queixa de que o Brasil quer protagonismo demais na região. Kirchner tem razão?
Há pouco se deu em São Paulo um debate entre três ex-presidentes de países do Mercosul: Sarney, Alfonsín e Sanguinetti, do Uruguai. Como mediador, eu disse ao público que os atuais dirigentes deveriam se espelhar na relação que havia existido entre aqueles três governantes. Eram homens que não se conheciam, mas souberam construir uma relação cordial e sincera. Creio que Fernando Henrique tentou fazer o mesmo, embora, do lado de lá, tivesse o Menem e sua personalidade difícil. Até por isso o presidente brasileiro procurou evitar problemas com a Argentina, sem dar ênfase à questão do Conselho de Segurança da ONU. Hoje não há uma boa química entre os presidentes e chanceleres dos dois países. Não responsabilizo ninguém, apenas constato um fato.
Existem antipatias pessoais?
Sim. E há um fenômeno comum. A Argentina de Menem e o Brasil de Fernando Henrique atravessaram um tempo de baixo nacionalismo. Eram governos mais impressionados pela onda liberal, pela globalização. Tanto a Argentina quanto o Brasil, naquela época, achavam que estavam dando certo. Só que a Argentina naufragou num colapso tremendo. Hoje ela está em fase de recuperação, de reafirmação do orgulho de ser argentino, comemora-se a renegociação da dívida, enfim, vive-se um acentuado nacionalismo. Como também vive o Brasil, por outras razões. Aqui, vive-se o nacionalismo que vem do PT. É um nacionalismo que se expressa na busca de uma liderança internacional. O Brasil usufrui daquilo que os argentinos chamam de "poder de convocatória". Não é ruim, mas incomoda.
O que o senhor achou da cúpula árabe-sul-americana, ocorrida há poucas semanas em Brasília?
Apóio inteiramente. Foi um primeiro contato, oportunidades começam a surgir para a Petrobras. Política é isso. Como diz o Evangelho, "no princípio era o verbo". Se você não tem verbo, faz o quê? É preciso saber lidar com os vizinhos. O barão do Rio Branco, de quem sou praticamente o biógrafo, tinha essa preocupação. No dia em que ganhou a disputa territorial com a Argentina, em 1895, ele escreveu no diário: "A inveja é a sombra da glória". Aqui foi um delírio nacional. Pois o barão não voltou ao Brasil, onde era aguardado, e foi direto para a França, onde morava. Não veio receber as homenagens da pátria agradecida porque não queria esfregar sal na ferida dos argentinos. Em telegrama disse: "Não há nada mais ridículo do que um diplomata andar por aí a apregoar vitórias". Eis uma lição sobre a qual devemos meditar.
Aplica-se à atual política externa brasileira?
Algumas críticas à nossa política não têm fundamento. Não está errado o Brasil pleitear uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Nem é equivocado querer se aproximar dos países africanos, com os quais temos vínculos históricos. E acho que as relações Brasil-EUA atravessam um ótimo momento. A visita da secretária de Estado, Condoleezza Rice, precedida pela visita do secretário de Defesa, foi algo importante. Também foi importante o reconhecimento dos americanos de que nosso programa de enriquecimento de urânio é pacífico. Há o problema da Alca, mas não chega a contaminar a amizade.
Bolivianos andaram desfilando cartazes com o slogan "Brazilians go home". Estranha sensação essa, a do imperialismo brasileiro.
O movimento que se vê na Bolívia tem a ver com gás e petróleo, setor onde a Petrobras desempenha um papel marcante, diferenciado. À medida que aumenta a presença brasileira, crescem as manifestações. Nosso país amadureceu, hoje temos condição de separar os falsos e os verdadeiros problemas. A relação com a Argentina é um problema real. Os entraves do Mercosul, idem. Não ter acordo nem com a Alca nem com a União Européia, também.
No caso da Alca e da UE, o problema está de que lado?
Problemas não foram criados pelo Brasil. Estou convencido disso, acompanho as negociações, tenho até um livro escrito sobre a Alca. Nossa aproximação com a UE está tomando a forma de dois acordos: um sobre bens e serviços, em que os europeus fazem exigências e têm vantagens. Outro sobre agricultura, em que eles não querem fazer a mínima concessão e em que temos total interesse. A situação com a Alca é parecida. Celso Amorim, numa reunião em Paris, perguntou o seguinte: se o Brasil aceitasse tudo o que os EUA pedem na Alca em termos de propriedade intelectual, serviços e investimentos, conseguiríamos concessões razoáveis para suco de laranja, etanol, açúcar, carne? A resposta do representante americano foi "não". A Austrália fechou um acordo com os EUA que exclui o açúcar e prevê medidas de liberalização da carne bovina num horizonte de 15 anos! Não acredito que a maneira de o Brasil acessar o mercado americano seja através de acordos preferenciais.
E qual seria o caminho?
Negociações multilaterais da OMC, onde temos tido vitórias importantes. Acordo preferencial dá certo em país pequeno como o Chile, não com o Brasil.
Esta semana, o ex-presidente Fernando Henrique se referiu à campanha pelo Conselho de Segurança da ONU como uma pretensão diplomática brasileira. O senhor concorda?
Não, e disse isso a ele. Divergimos nesse ponto. A questão do Conselho não depende de nós, ela está posta, foi colocada pelo próprio Kofi Anan quando ele abriu a discussão sobre a reforma da ONU. O mundo está dividido em nações com suas soberanias. Os Estados Unidos não representam a América do Norte. A China não poderá representar a Ásia, porque o Japão não quer. Assim como o Brasil não tem procuração para representar a América Latina. Ora, o critério para ampliar o Conselho passa pelo peso específico de cada país, levando em conta território, população, desempenho da economia, tradição diplomática, participação da vida internacional. Por qualquer um desses critérios o Brasil está entre os aspirantes principais. É absurdo dizer que nós só poderíamos entrar se fôssemos uma potência militar. Seria o argumento perverso. Se o mundo inteiro está querendo acabar com a proliferação de armas nucleares, então seremos punidos por ter uma tradição pacífica? E eu me pergunto: o que aconteceria se o Brasil não pleiteasse a vaga e acabasse entrando um outro país da região? A opinião brasileira iria perdoar um governo que cruzasse os braços? Se entrarem cinco países no Conselho, e um deles apenas da América Latina, então que seja o Brasil.
O Brasil deveria ter entrado na disputa da OMC?
Teria de entrar na disputa, mas não com uma candidatura tardia.Uma noite, lá em Genebra, tocou o telefone e então me disseram que iriam lançar Luís Felipe de Seixas Corrêa na disputa pela OMC. Imaginei que no dia seguinte o Brasil iria anunciar a candidatura brasileira com o apoio de países como China, Índia, Egito, África do Sul. E nada. A campanha por Seixas não decolou, tivemos de engolir a candidatura do uruguaio Perez de Castillo e a vitória de Pascal Lamy. E, pior: sacrificamos um dos maiores quadros da diplomacia brasileira, que é o embaixador Seixas Corrêa, o grande construtor do G-20. O ministro Amorim, de quem sou amigo, reconhece isso.
Embaixador, o senhor parece à vontade para opiniar sobre o Brasil das últimas décadas, sem defender grupos políticos. Isso é verdade ou impressão?
É verdade. Admiro o ex-chanceler Celso Lafer e o atual, Celso Amorim. Isso não impede que eu ache a candidatura brasileira para a OMC um desastre e a campanha ao Conselho de Segurança da ONU um acerto. Falta-nos uma dose a mais de espírito de continuidade. Fernando Henrique, quando presidente, convocou uma conferência de países sul-americanos. O governo Lula articula a Comunidade de Países Sul-Americanos e não faz menção ao que o antecessor fez.Vitórias colhidas hoje na OMC, mérito inegável do atual governo, foram plantadas lá trás. Por isso lembro o barão do Rio Branco. Ele tinha elegância moral para dividir a glória. Sou partidário da atual política externa, quero insistir. E me orgulho de ter tido dois presidentes, Fernando Henrique e Lula, que valorizam o Brasil lá fora. Um, por suas qualidades intelectuais. Outro, pela extraordinária biografia pessoal. Nunca o nosso país esteve com uma imagem tão boa. Claro, poderia ser melhor se não estivéssemos desmatando a Amazônia, se não convivêssemos com chacinas impunes. Mas sinto orgulho de ser brasileiro.