Título: "Agora ela está calma e até me pede desculpas"
Autor: Laura Diniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Cidades, p. C6

"Papai, olha, mamãe é doida", disse para um pintor de fachadas sua filha de 3 anos. A observação foi feita no meio de uma das brigas do casal. O pintor e a mulher viviam uma crise aos sete anos de casamento, agravada pela violência dela. A relação degringolou, a separação foi inevitável e ele conseguiu a guarda dos dois filhos na Justiça. "Depois de oito meses separados, voltamos. Há cinco meses, estamos tentando ser felizes de novo", conta o pintor. Mas ele não se esquece da briga em que ela lhe atirou um ventilador. Nem das diversas ocasiões em que empunhou facas para ameaçá-lo. Também traz na memória o dia em que, na frente da filha, ela partiu para cima dele com uma marreta de 1 quilo, usada pelos pedreiros nas obras do apartamento. Mas se dispôs a relevar, "por eles e pelos filhos", reiterando que nunca deu motivo para a violência dela.

O pintor participou de reuniões de grupos de homens no Instituto Noos, ONG que trabalha com prevenção de violência na família, inclusive entre casais. Segundo o secretário-executivo da entidade, o psicólogo Carlos Zuma, em grupos de 8 a 12 homens que agrediram fisicamente suas mulheres, sempre tem um ou dois que já apanharam. "A maior queixa é a violência psicológica que elas exercem contra eles."

"Agressões como 'você não é homem', quando ele não consegue sustentar a casa, ou 'você não sabe lidar com nossos filhos' são algumas das mais comuns", diz Zuma, observando que a habilidade da mulher para verbalizar é muito maior que dos homens. Ele se recorda de um participante que tinha um galo incurável na cabeça porque a batia contra a parede para a mulher parar de falar.

O psicólogo afirma que a violência não está aumentando. As pessoas é que estão tomando mais consciência de que algumas atitudes são violentas. Ele lembra o caso de um senhor de 60 anos que, quando via algo de que não gostava em casa, descontava quebrando coisas com um martelo.

Um dia, após bater na filha, a mulher o denunciou à polícia e pediu a separação. "Ele não entendia o motivo. Dizia que havia sido violento só duas vezes - com a mulher na lua-de-mel, e nessa contra filha", diz Zuma. De tão desesperado com a perda, chegou a levar uma corda numa das reuniões dizendo que iria se enforcar. Com a terapia, se deu conta do problema, pediu desculpas e conseguiu retomar o casamento.

O pintor trabalha com fachada de prédios, pendurado em cordas a vários metros do chão. Tarefa arriscada, mas, segundo ele, muito mais fácil de levar que o casamento. "Eu desceria de um prédio de 30 andares todo dia, só para entender", brinca. "Mas agora está tudo bem. Ela está mantendo a calma e até pede desculpas quando comete um erro."