Título: Anúncio de remédio seduz nos EUA
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Vida, p. A10

Pesquisa de duas universidades mostra que propaganda influencia os médicos americanos na decisão de receitar medicamentos

A mulher - linda, moderna - sorri para o leitor. A frase "eu posso" se destaca na página de uma popular revista americana, ao lado do nome do produto, um antidepressivo. O anúncio descrito é comum nos Estados Unidos, país onde a publicidade de medicamentos é permitida, inclusive de classes que exigem prescrição médica, e ele influencia cada vez mais o resultado da consulta médica, conforme comprova uma pesquisa publicada na Revista da Associação Médica Americana, a Jama (http://jama.ama-assn.org), no fim de abril. O estudo foi conduzido pelas universidades da Califórnia e de Rochester. Após um ano em campo, o resultado sugere que a possibilidade de o paciente obter o remédio que deseja aumenta quando pede por ele, mesmo que não seja o mais indicado para o caso.

Entre maio de 2003 e maio de 2004, atrizes se revezaram em 298 consultas feitas em Sacramento e São Francisco. Os médicos aceitaram participar, mas não sabiam como a pesquisa seria feita, nem que seria gravada.

Em um dos papéis, a paciente era uma mulher de 48 anos divorciada, com dois filhos, carreira e sintomas clássicos de depressão, como dores no peito, perda de interesse e energia, insônia e falta de apetite por mais de um mês. Quando pediu nominalmente pelo remédio do anúncio, conseguiu um antidepressivo em 53% das vezes, em 76% quando fazia um pedido por uma pílula qualquer e apenas em 31% dos casos quando se abstinha de comentar.

Apesar de os números impressionarem, foi o segundo caso que fez os pesquisadores arregalarem os olhos. O outro papel era de uma mulher de 45 anos, também divorciada, que havia aceitado um trabalho voluntário após perder o emprego e retratava um leve nível de estresse, com insônia ocasional. Como esperado, houve menos prescrições de antidepressivos, uma vez que o quadro da doença não era claro: 39% das vezes quando o pedido era genérico e 10% quando a menção não era feita. Contudo, quando a paciente pedia o remédio do anúncio, na maioria das vezes saía da sala do médico com o que queria - mesmo sem necessidade.

De acordo com os autores, o resultado levanta preocupações sobre como é conduzida a publicidade de remédios direta ao consumidor. Não há dados científicos que justifiquem a prescrição de antidepressivos para tratar problemas de adaptação social, particularmente quando os sintomas são recentes e leves. "Se os pacientes podem influenciar os médicos a prescreverem remédios que não considerariam de outra forma, os médicos podem não representar o controle que a lei assume que são", diz a Jama.

Os médicos são expostos a ações publicitárias diretas, que podem influenciar sua ação durante a consulta. Metade do investimento que o setor farmacêutico faz em publicidade nos EUA é voltada para a distribuição de amostras grátis. Outros 30% vão para ações diretas à classe médica e hospitais.

A equipe crê que os resultados com antidepressivos podem ser aplicados às demais classes de remédios tarjados.

O FDA, órgão que regula os medicamentos nos EUA, exige que a publicidade direta ao consumidor apresente um "equilíbrio justo" entre os benefícios e os riscos do produto. "Mas a análise dos dados é retroativa e há quem afirme que o controle é fraco", disse ao Estado Richard Kravitz, principal autor do estudo.