Título: O G-8 e as mudanças climáticas
Autor: Jacques Marcovitch
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

A reunião anual do G-8, em julho, na cidade escocesa de Gleneagles, vem sendo preparada em ambiente de crescente complexidade política. Este quadro exige, além de uma apreciação cuidadosa, ações que façam do encontro - para o qual o Brasil foi convidado - uma oportunidade de afirmar valores e interesses convergentes de âmbito global. Segurança, tensões no Oriente Médio, desenvolvimento da África e mudanças climáticas foram aspectos priorizados pela presidência britânica. Os avanços e recuos sobre esses temas terão fortes implicações, pois vão influir nas negociações sobre o regime pós-2012, que terão lugar em Montreal, durante a COP 11, em novembro. Com seus reflexos globais, as mudanças climáticas exigem três leituras simultâneas, de tempos distintos e valores próprios. A leitura científica, de ciclo longo, a leitura política, de ciclo médio, e a leitura empresarial, de ciclo relativamente curto. São avaliações conflitantes, que apresentam janelas de complementaridade. É o caso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que oferece uma conciliação das três visões mencionadas. Este mecanismo permite uma opção de ganhos mútuos, na medida em que diminui os custos da redução de emissões de gases de efeito estufa em países desenvolvidos e estimula a sustentabilidade ambiental e social nos países em desenvolvimento.

A leitura científica é movida pela lógica do conhecimento e tem um caráter universalista em horizonte de longo prazo. Foi assim desde 1896, quando Svante Arrenhuis fez os primeiros cálculos para sustentar sua hipótese de correlação entre as emissões de CO2 e a temperatura do nosso planeta. Assim prossegue em nosso tempo, com os resultados que indicam, por exemplo, mudanças significativas na distribuição dos cardumes, em função do aquecimento da temperatura dos oceanos. Esta abordagem se fundamenta em fenômenos globais que exigem articulações entre oceanógrafos, climatólogos e especialistas na interpretação de imagens por satélites, entre outros peritos. Respaldando com um saber multidisciplinar a importância histórica do Protocolo de Kyoto, a leitura científica observa que, mesmo atingidas as metas acordadas, terão elas um impacto ainda insuficiente para reduzir as causas antrópicas e suas graves conseqüências.

A leitura política, movida pela lógica do poder, dá prioridade a interesses locais e regionais. Isso ficou demonstrado após o trágico smog londrino de 1953, no "verão assassino" da Europa em 2003 e durante as chuvas e inundações recentes, que têm provocado o sacrifício de milhares de vidas humanas. Esses momentos de tragédia forjaram lideranças, fortalecendo também "partidos verdes" e organizações dedicadas à causa ambiental. Nos Estados Unidos, governadores e prefeitos têm respondido aos anseios de seus eleitores agindo em prol da redução de emissão de gases de efeito estufa. Finalmente, a negociação política, assegurando a entrada em vigor do Esquema Europeu de Comércio de Emissões, marca uma oportuna reconciliação da defesa da natureza com as leis do mercado.

A leitura empresarial é movida pela lógica dos resultados e, conseqüentemente, pelos interesses imediatos dos acionistas. Investidores institucionais, no entanto, como fundos de pensão, privilegiam corporações voltadas para políticas de sustentabilidade. Eis aí um dos motivos que levaram empresas a adotar iniciativas voluntárias de redução das suas emissões de gases de efeito estufa, antes mesmo da entrada em vigor do Protocolo de Kyoto. Outra motivação está no acesso a mercados que exigem padrões de emissões ou a financiamentos por meio de agentes que aderiram ao protocolo verde. Mercados e financiadores que, além do rigor econômico, impõem a responsabilidade ambiental como parte do seu processo decisório.

As três leituras estiveram presentes em 1997, quando foi aceito o princípio de responsabilidade comum, porém diferenciada, em função da contribuição histórica de cada país na acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera. Desde então, o Brasil tem empreendido ações pioneiras nos setores sucroalcooleiro, siderúrgico e de saneamento. Foram iniciativas que resultaram em avanços tecnológicos significativos para a redução de emissões. Em algumas áreas já foram adotadas políticas públicas indutoras da inovação para o desenvolvimento de tecnologias limpas e utilização de energias renováveis. É o caso da bioenergia, que permitiu o lançamento dos automóveis de consumo híbrido.

Desde os anos 1990 o Brasil tem avançado na observação de suas condições atmosféricas e na geração de dados sobre os seus ecossistemas. Estratégias pioneiras têm sido implementadas nos campos da educação ambiental, produção de energias alternativas, elaboração de projetos para redução de emissões e gestão sustentável do lixo urbano. Infelizmente, esses esforços não foram suficientes. Faltam, por exemplo, maiores avanços no conhecimento da realidade amazônica e no combate ao desmatamento, especialmente quando movido pela extração ilegal da madeira. Para os países que compartilham a responsabilidade pela Bacia Amazônica, incluindo o Brasil, o principal desafio é compatibilizar as leituras científica, política e empresarial para uma correta estratégia de desenvolvimento sustentável.

Os dirigentes mundiais, fiadores do cumprimento dos acordos e da verdade econômica, respondem também pela garantia da paz, defesa da liberdade, consolidação democrática e preservação da natureza como forma suprema de garantir o bem-estar das gerações vindouras. A reunião de Gleneagles é mais uma oportunidade para que estas lideranças afirmem sua missão, apesar de eventuais conjunturas adversas. Na mesa está posta uma agenda ambiental que, além de medidas pontuais e urgentes, inclui os preparativos do regime pós-2012, a ser rediscutido em novembro, na Conferência de Montreal.