Título: A Assembléia da OEA
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A OEA bate recordes de sobrevivência. Desde que falhou duplamente, no episódio das Malvinas, em 1982, tanto como instrumento de defesa coletiva dos países da região como no papel de catalisadora da solidariedade continental, ela vem sendo considerada um órgão irrelevante, que só continua existindo porque os países membros não se dão ao trabalho de extinguí-la. Os últimos acontecimentos na Bolívia, no Equador e no Haiti mostram que, de fato, a OEA não tem condições para interferir construtivamente na solução das crises políticas e institucionais que vão se avolumando no continente. Mas continua sendo um bom palco para a discussão dos vários problemas seculares da região.

A agenda da XXXV Assembléia Geral, por exemplo, relacionou pouco menos de 100 temas políticos, econômicos, sociais e jurídicos, como se a OEA pudesse abarcar e resolver todos os problemas do hemisfério. Trata-se, na verdade, de uma agenda montada para atender aos interesses de cada um dos 34 países membros da organização. O Brasil, por exemplo, patrocinou uma convenção interamericana para a prevenção do racismo e de todas as formas de discriminação e intolerância.

Mas a principal proposta dessa reunião foi feita pelos Estados Unidos e imediatamente rechaçada pelos principais países do hemisfério. Desde 2001, está em vigor a Carta Democrática Interamericana que, à semelhança da Cláusula Democrática do Mercosul, exige que os países membros sejam governados segundo os princípios básicos da democracia. O rompimento das formalidades democráticas implica o afastamento do país da OEA e o seu isolamento.

Mas, como ficou evidente no Equador, na Bolívia e na Venezuela, é possível manter as aparências democráticas mesmo quando são derrubados presidentes constitucionalmente eleitos ou quando as instituições democráticas são adulteradas para servir aos propósitos de um líder autoritário. Por isso, o governo americano apresentou um projeto de resolução determinando que os líderes dos países membros da OEA devem governar democraticamente, respeitando plenamente os direitos humanos e as liberdades fundamentais, o primado da lei, a separação e a independência dos poderes - e que os governos que assim não procederem devam ser responsabilizados. Para atingir esse objetivo, a resolução autorizava o secretário-geral da OEA a criar um comitê para monitorar o estado da democracia em cada país do hemisfério. Esse comitê poderia fazer recomendações concretas ao Conselho Permanente da OEA sobre como tratar antecipadamente crises que poderiam ameaçar a democracia ou propor medidas para fortalecer as instituições.

A Carta Democrática da OEA é, de fato, vaga e não existem prescrições para colocá-la em prática. Para ser eficaz, precisaria de um complemento que antecipasse as ameaças à democracia e contemplasse a aplicação quase automática das medidas de defesa da democracia. A proposta feita por Washington, no entanto, foi entendida pela maioria dos países da região como uma ameaça de transgressão do princípio de não-intervenção nos negócios alheios. Além do mais, como era de esperar, a iniciativa foi atribuída ao desejo do governo dos Estados Unidos de conter as extravagâncias do presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

A rejeição da proposta norte-americana não esgota as preocupações com o desempenho democrático dos países da OEA. Na verdade, a manutenção dos preceitos democráticos e a melhoria da qualidade da democracia são preocupações crescentes, em todas as partes do mundo.

E, embora em todas as organizações internacionais preocupadas com a promoção e o aperfeiçoamento da democracia exista o respeito à não-intervenção em assuntos alheios, já se torna comum a referência ao princípio da não indiferença, que estabelece que nenhum país pode permanecer em silêncio quando seu vizinho despreza o primado da lei ou viola os direitos humanos. Na Assembléia da OEA, o chanceler Celso Amorim foi claro: o Brasil tem associado o princípio da não-ingerência ao da não indiferença. O problema é que o faz seletivamente, privilegiando, por exemplo, a Venezuela, Cuba e China.