Título: A farra dos valets
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A Lei dos Valets entrou em vigor há sete meses, mas, sem fiscalização, as empresas de serviços de manobristas continuam explorando o espaço público, atrapalhando o trânsito e desrespeitando os freqüentadores de casas noturnas, bares e restaurantes de São Paulo. As subprefeituras, responsáveis por fazer cumprir as novas regras, ignoram os abusos cometidos e as meias medidas tomadas por essas empresas e pelos estabelecimentos comerciais só para enganar os clientes e, de quando em quando, os fiscais. Até abril, 67 valets e estacionamentos dos bairros de Pinheiros e Vila Madalena foram fiscalizados. Desses, 62 foram multados por irregularidades. Balanço medíocre se considerado o cenário em questão. São Paulo sedia 90 mil eventos por ano, tem 120 museus, 240 salas de cinema, 92 teatros, 170 feiras anuais de grande porte, 15 mil bares e casas noturnas, 55 mil restaurantes e 4 mil pizzarias. Na maioria desses locais são oferecidos serviços de valet.

As novas regras proíbem os prestadores de serviços de manobristas de se apropriarem de ruas e calçadas para estacionar os carros ou guardar vagas para clientes. Essas empresas devem ser regularizadas e contar com estacionamento adequado para guardar os veículos, oferecendo seguro para casos de incêndio, furto, roubo e colisão. Ao confiar o veículo ao manobrista, o proprietário deve receber um tíquete da empresa com seu CNPJ, dados do veículo, do local onde será estacionado, data e hora. A lei torna os estabelecimentos solidários com as empresas de valets no caso de danos ou multas. Os manobristas devem ter treinamento específico para a função, trabalhar uniformizados e identificados.

Reportagem publicada na edição de sexta-feira do suplemento Guia, do Estado, revelou o desrespeito total à lei nos bairros mais freqüentados na noite paulistana. A regulamentação da lei, em julho de 2004, estabeleceu prazo de 150 dias para as empresas se adequarem às novas regras, antes do início da fiscalização. Passados 160 dias do término do prazo, empresas e estabelecimentos continuam lesando os clientes.

Conforme a reportagem, freqüentadores pagam entre R$ 8,00 e R$ 12,00 pelos serviços de manobristas sem saber que seus veículos são estacionados nas ruas, sem segurança e, muitas vezes, em local proibido. Em caso de danos, roubos e multas os proprietários dos automóveis têm, na maioria das vezes, de arcar com o prejuízo, apesar de a lei estabelecer multa de R$ 5 mil para quem desobedecê-la.

Em 21 de maio, assaltantes levaram cinco veículos de clientes de um restaurante da Vila Madalena. A empresa mantinha os carros num estacionamento, mas sem segurança e sem seguro. A empresa de valet não assumiu a responsabilidade. Para a sorte dos clientes, os carros foram encontrados pela polícia cinco dias depois da ocorrência.

A omissão é estimulada pela falta de controle e de fiscalização por parte do poder público. Muitas empresas "cumprem" a norma que estabelece a emissão obrigatória de recibos e tíquetes com os dados dos serviços prestados ao dono do veículo. Em muitos casos, diante de um dano, ao acionar a empresa, a vítima descobre que o CNPJ que consta nos recibos é falso, assim como o endereço e todos os demais dados.

A reportagem do suplemento Guia entrevistou manobristas que admitiram o uso de veículos de clientes em manobras proibidas, em minirrachas pelas ruas e estacionamento irregular. Entrevistou donos de bares que, apesar das provas apresentadas, negaram irregularidades no serviço prestado. E entrevistou, finalmente, clientes indignados com o desrespeito.

O diretor-jurídico da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo, Percival Maricato, alegou que é "impossível" arcar com impostos, despesas de seguro e pátio de estacionamento, e "cobrar apenas cinco ou dez reais pelo serviço". Por essa razão, os donos de estabelecimentos comerciais contratariam empresas não idôneas.

Impossível é o cliente ser obrigado a arcar com os prejuízos causados por pessoas irresponsáveis, que enganam os clientes e lucram com a exploração do espaço público. A fiscalização e a punição precisam ser permanentes e rígidas. O interesse dos donos de estabelecimentos e de empresas irregulares não pode prevalecer sobre o da população.