Título: 'Cortaremos na própria carne se necessário', diz presidente
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/06/2005, Nacional, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou ontem em público pela primeira vez sobre as denúncias de pagamento de mesada a deputados, para dizer que seu governo levará às últimas conseqüências a apuração das denúncias de corrupção. "Tenho uma biografia a preservar", afirmou Lula, "e não iremos acobertar ninguém que esteja envolvido". Ao discursar num cenário adequado ao momento político, a abertura do 4.º Fórum Global de Combate à Corrupção, organizado com apoio da ONU, Lula prometeu: "Cortaremos na própria carne se necessário, sem prejulgar ninguém e respeitando o direito de se defender que todo cidadão possui".

E foi além: "Não vamos vacilar um segundo na defesa do interesse da coisa pública. O que está em jogo não são alguns parlamentares, funcionários, ministros, mas a respeitabilidade das nossas instituições, das quais sou o principal guardião".

Na platéia, quase todos os ministros, inclusive o da Previdência, Romero Jucá - que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal por conta de denúncias de corrupção. Vários deputados também ouviram o presidente, que leu a maior parte do pronunciamento, evitando improvisos.

Lula antecipou-se em uma crítica à oposição, que anteontem havia pregado exatamente o contrário do que ele sugeriu: "Independentemente do uso político e eleitoral que alguns estejam fazendo destas denúncias", disse, "quero deixar claro que o meu governo levará as investigações até as últimas conseqüências. Para isso, jurei a Constituição do Brasil".

Num discurso que focou muito mais o momento de crise do que o protocolo de uma cerimônia internacional, Lula contou ter adotado "uma solução definitiva para os problemas envolvendo os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil" (a demissão das diretorias das duas instituições ), contrariando o que dissera pouco antes - não iria prejulgar ninguém.

Em momento algum Lula se referiu diretamente ao escândalo do "mensalão". Mesmo assim, disse que o governo está investigando, mas não se opõe a que o Congresso faça o mesmo, "com equilíbrio". Ainda sem citar o caso, pregou que o Congresso "não pode, de forma nenhuma, estar sujeito à compra".

Defendeu que "o momento exige de todos nós a máxima transparência" e garantiu estar seguro de que "nosso país sairá mais fortalecido nesta conjuntura", embora sem embasar a argumentação. Afirmou que o momento não é de anunciar novas medidas administrativas, mas admitiu que mudanças serão providenciadas: "É evidente que nossas instituições têm que ser reforçadas. É evidente que numa reforma política se faz imprescindível".

Lula disse que não recorrerá a medidas populistas para vencer a crise "porque estamos a um ano e meio das eleições". E explicou: "Não quero construir um Brasil apenas para um ano, o Brasil que estamos construindo é um legado que eu, vocês e o povo brasileiro deixaremos para as próximas gerações".

Depois de reconhecer que a corrupção "é quase uma doença incurável", Lula admitiu que está "longe de acabar com ela". E deu um veredicto: "A corrupção é uma coisa crônica, ela está incrustada, muitas vezes, na alma, na consciência do corrupto, na impunidade que os corruptos sempre tiveram na história deste País", afirmou.

Ao final do discurso, sempre aplaudido pela platéia, o presidente Lula disse que a solução para combater a corrupção é "mais democracia, mais transparência, mais vontade política e mais determinação".