Título: O "vôo de galinha" do comércio exterior
Autor: Marcos Sawaya Jank
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

O comércio exterior brasileiro deslanchou nos últimos anos, atingindo US$ 96,5 bilhões em exportações e US$ 63 bilhões em importações em 2004, o que equivale a 25% do PIB. Se, de um lado, o resultado alcançado merece efusivas comemorações, por outro, é preciso reconhecer as razões que explicam esse dinamismo.

De pronto, é fácil identificar fatores conjunturais, como a correção cambial de 1999, o baixo crescimento do mercado interno e o vigor do comércio mundial ¿ no nosso caso, refletido, principalmente, nas exportações para EUA, União Européia, China, Argentina, México e Chile.

Estão em jogo, também, algumas variáveis estruturais, como o expressivo ganho de produtividade que se observou em diversos setores exportadores.

Gosto de citar o exemplo do agronegócio no Centro-Oeste, que se solidificou nas três últimas décadas graças a agricultores e agroindústrias pioneiros, que saíram em busca de tecnologias tropicais modernas e escalas de produção mais eficientes.

O exemplo se repete em vários outros setores dinâmicos, como siderurgia, automóveis, tratores, motocicletas, aviões, rochas, roupas, cosméticos, etc.

É fundamental impedir que as políticas macroeconômicas conspirem contra o sucesso do comércio exterior, a partir da perversa equação em que gastos públicos excessivos geram altas de juros e a inevitável apreciação do real.

Dando continuidade às analogias avícolas, que explorei em artigo sobre patos e gansos publicado nesta página em 3/5, precisamos, agora, evitar o fenômeno do ¿vôo de galinha¿ do comércio exterior, a partir da adoção de um conjunto de medidas de curto, médio e longo prazos que serão discutidas a seguir.

Além dos fundamentos macroeconômicos de curto prazo, o êxito do comércio exterior depende da infra-estrutura de suporte e da redução das barreiras ao comércio, tanto as impostas pelo País ¿ e que dificultam, por exemplo, a importação de bens de capital ¿ como aquelas com que deparamos em nossos principais mercados-destino.

Política comercial é a área da política econômica que cuida de discriminações impostas e recebidas por meio de tarifas aduaneiras, subsídios, salvaguardas, restrições sanitárias, etc.

Atribuir o desempenho de curto prazo do comércio exterior à ação da política comercial me parece uma postura equivocada e perigosa.

Negociações comerciais produzem resultados a longo prazo, não raro superior a uma década.

Basta verificar, por exemplo: que mudanças significativas ocorreram nas barreiras enfrentadas pelo Brasil na presente década? Ou que acordo comercial específico gerou resultados quantificáveis de comércio nestes cinco anos? A resposta é nula.

Ocorre que, nas últimas cinco décadas, o único período que, de fato, produziu resultados concretos de política comercial foi o compreendido entre a segunda metade dos anos 1980 e a primeira metade dos anos 1990.

Goste-se ou não, três eventos paralelos redesenharam a nossa competitividade e inserção internacional nesse curto período de tempo: A abertura unilateral da economia brasileira, com a redução da tarifa média de importação de 55% para os atuais 12%; a Rodada Uruguai do Gatt, que fixou novas disciplinas multilaterais em pelo menos meia dúzia de temas importantes para o comércio; e o primeiro qüinqüênio do Mercosul, que transformou esta região no nosso principal foco de política regional.

De 1995 para cá, os resultados da política comercial podem ser classificados como ¿tímidos¿ ou ¿incompletos¿.

Não resta dúvida de que Fernando Henrique e Lula conseguiram ampliar os horizontes da política externa brasileira, cada um à sua maneira e com distintas prioridades.

Vejo as viagens presidenciais e as missões empresariais de promoção comercial como fatores altamente positivos da nossa agenda externa.

Trata-se de atividades vitais para um país que passou décadas admirando o próprio umbigo, com medo de enfrentar a circunferência azul do planeta.

No entanto, ainda há muito por ser feito.

Três ações são cruciais para o comércio exterior brasileiro.

A primeira, de curto prazo, é evitar que o surto recente de exportações não vire o ¿vôo de galinha¿, que aterrissaria com o fim dos bons ventos dos preços internacionais e do câmbio favorável do período 1999-2004.

A segunda, de médio prazo, é criar condições favoráveis para que ocorram pesados investimentos na infra-estrutura ligada ao comércio exterior, principalmente em segurança sanitária e logística.

A terceira, de longo prazo, é participar da nova onda de acordos comerciais, que estão explodindo nas Américas, na Europa e na Ásia, buscando combinar foco específico nos mercados mais relevantes para o País com novos formatos de coordenação fina entre o governo e o setor privado.

Nessa última área, é hora de concentrar toda a nossa energia para evitar o fracasso da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) ¿ 2005 será um ano-chave para essa rodada, no qual se espera a definição dos parâmetros que serão utilizados para cortar tarifas de produtos agrícolas e manufaturas, reduzir subsídios, ampliar o acesso aos serviços e definir regras para o uso do antidumping.

As nuvens estão carregadas em Genebra: os EUA resistem a reduzir seus subsídios agrícolas, a Europa e o Japão não querem conceder acesso aos seus mercados agrícolas, as ofertas em serviços são pífias, os países mais pobres do mundo não abrem mão de manter as suas preferências tarifárias históricas, boicotando a abertura multilateral.

Há um sentimento no ar de que essa rodada servirá apenas para oficializar o status quo das políticas comerciais hoje praticadas no mundo.

Se não forem realizados cortes efetivos nas tarifas e nos subsídios praticados atualmente, o comércio não vai crescer, e perderemos uma oportunidade, além da retomada do processo, que poderá tardar 20 a 30 anos.

É a ¿galinha¿ que decola, bate no piso baixo dos grandes lobbies protecionistas espalhados pelo mundo e volta para o chão, estonteada.

E, se isso ocorrer, não é só a nossa eficiente avicultura que perderá uma oportunidade de ouro para decolar rumo a um mundo mais justo no comércio internacional.

Pelo menos 40% das exportações do País dependem de resultados concretos da política comercial brasileira

Marcos Sawaya Jank, professor da FEA-USP, é presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) ¿ msjank@usp.br ; www.iconebrasil.org.br