Título: Senado autista
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado poderá aprovar amanhã, em caráter terminativo, um projeto acintosamente concebido pela classe parlamentar em proveito próprio.

Trata-se da proposta de revogação do artigo 41-A da Lei Eleitoral, que define o crime de ¿captação de sufrágio¿ e pune com sanção automática, por meio de penas que vão da perda de mandato à cassação de direitos políticos, os candidatos condenados por compra de votos, promessa de emprego público ou função pública e utilização de recursos financeiros sem origem comprovada.

Graças a esse dispositivo, que entrou em vigor em 1999, já foram cassados 164 prefeitos, vereadores e deputados condenados por abuso do poder econômico ou por clientelismo.

Foi com base nele, aliás, que uma juíza de Campos, há três semanas, declarou a inelegibilidade do casal Garotinho nas eleições de 2006, por uso de máquina política e fisiologismo.

Embora o Tribunal Regional Eleitoral fluminense tenha concedido liminar à governadora Rosinha Matheus e ao seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho, a simples condenação da dupla por uma magistrada de primeira instância mostrou que a aplicação desse artigo pode atingir até campanhas presidenciais.

Tão importante quanto os efeitos moralizadores do artigo 41-A da Lei Eleitoral é sua origem.

Fruto de uma campanha liderada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que coletaram mais de 1 milhão de assinaturas, ele foi o primeiro projeto de iniciativa popular votado pelo Congresso, com base no § 2º do artigo 61 da Constituição.

O objetivo foi neutralizar a prática da chicana jurídica, por parte de políticos corruptos e candidatos corruptores, criando as condições institucionais para uma efetiva aplicação das penas por crime eleitoral.

Como todas as leis anteriores, a legislação vigente em 1999 garantia a elegibilidade de candidatos punidos por crime de captação de sufrágio pelas instâncias inferiores da Justiça Eleitoral, até a decisão definitiva de seus processos, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como essa medida permitia que os condenados eleitos postergassem indefinidamente esse julgamento, possibilitando-lhes com isso assumir e concluir seus mandatos, mesmo com provas explícitas de oferta de vantagens pessoais, compra de votos, distribuição de cestas de alimentação e fisiologismo, a OAB e a CNBB passaram a defender a aplicação automática das penas já na condenação de primeira instância.

Graças a essa oportuna iniciativa, o artigo 41-A é o único da legislação eleitoral que impõe a inelegibilidade instantânea, independentemente dos recursos judiciais que possam ser impetrados.

Com isso, os crimes eleitorais não precisam transitar em julgado para que as sanções aplicáveis tenham validade.

O efeito é imediato.

Deste modo, em vez de recorrer à chicana para adiar o julgamento, os candidatos enquadrados nesse artigo têm de fazer o oposto, empenhando-se para que seus recursos tramitem com rapidez nas instâncias superiores da Justiça Eleitoral, para terem chance de se candidatar.

É por isso que os políticos estavam à espera de uma oportunidade para revogar o artigo 41-A.

Ela surgiu por meio de um projeto do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que o justificou sob o pretexto de ¿aprimorar¿ esse texto legal.

O mais grave é que a proposta de facilitar a vida dos infratores pode ser aprovada sem nem mesmo ser encaminhada ao plenário.

Como tem caráter terminativo, se passar pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, amanhã, ela seguirá direto para a Câmara dos Deputados.

Trata-se, no entanto, de projeto importante demais, por dizer respeito à moralização dos hábitos políticos, para ter aprovação sumária.

Por decisão das lideranças, o projeto pode ir a plenário ¿ e é isso o que deve ser feito, a menos que o Senado resolva acrescentar ao seu histórico o opróbrio de revogar, pelo voto de duas dezenas de senadores, um artigo moralizador, cuja criação foi endossada por mais de 1 milhão de eleitores.