Título: O dólar e os juros no alto
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2005, Economia, p. B2

A desvalorização do real ocorrida ontem passa um bom recado, para aqueles que acreditam que os juros altos são a principal causa do tombo do dólar no câmbio interno e do prejuízo que pudessem causar às exportações. Ontem, o dólar chegou a saltar 2,14% em conseqüência da crise política criada pela operação abraço de afogados, deflagrada pelo presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson.

Relembrou que o fator político tanto é capaz de derrubar o dólar quando a conjuntura é boa, como de aumentá-lo quando a conjuntura é ruim.

É provável que o clima de relativa confiança que prevaleceu até há algumas semanas tivesse concorrido mais para a valorização do real do que a eventual entrada de capitais especulativos. Dá para dizer, também, que no Brasil de hoje crise política ajuda mais a empurrar o dólar para cima do que a baixa dos juros: se os juros caem é sinal de que a economia está melhorando e uma economia melhor tende a atrair capitais - ou retê-los no País, com efeitos equivalentes.

Em entrevista publicada sábado no Estado, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Afonso Bevilaqua, desmentiu que a entrada de capitais especulativos que se destinassem a tirar proveito dos juros altos estivesse derrubando o dólar. Bevilaqua puxou pelas estatísticas dos cinco primeiros meses do ano que apontam entrada líquida na Conta de Comércio (exportações menos importações) de US$ 17,8 bilhões, e saída líquida na Conta de Capitais Financeiros (entrada e saída de recursos financeiros) de US$ 9,3 bilhões. A conclusão é a de que houve saldo positivo de US$ 8,5 bilhões que provém das exportações e não da entrada de capitais. A contragosto ou não, os exportadores têm de admitir que o principal fator de valorização do real é o despejo de dólares pelos exportadores, não obstante as compras de quase US$ 10 bilhões de janeiro a março pelo Banco Central e pelo Tesouro.

Por aí se vê que as propostas destinadas a controlar a entrada de capitais voláteis, feita por economistas e políticos e repetida na semana passada pelo empresário Jorge Gerdau, não fazem sentido. Não há o afluxo a ser controlado.

Isso não quer dizer que os juros altos não sejam fator de valorização do real. Quer dizer apenas que a valorização não está acontecendo pela entrada de capitais especulativos. Os juros altos podem estar concorrendo para reter posições em reais no Brasil, invertendo movimentos que em outros tempos eram de saída de capitais e, portanto, de alta do dólar. Hoje, a proteção contra perdas cambiais (hedge) está sendo feita mais em reais do que em dólares.

Quando há uma crise de confiança, seja por motivação política (como a acentuada pelo deputado Roberto Jefferson) seja pela percepção de que os fundamentos econômicos estejam em deterioração, a tendência é de fuga de capitais, que, por sua vez, se encarrega de puxar para cima as cotações do câmbio. Como até há algumas semanas não havia crise, os juros poderiam ter concorrido para empurrar as cotações do dólar para baixo na medida em que ajudaram os agentes econômicos a manter seus recursos no Brasil.

Outra questão está em saber se conviria ou não controlar a entrada de capitais especulativos caso estivesse acontecendo. O Chile fez a experiência e desistiu porque viu que inibia investimentos. (Dinheiro não gosta de buraco de onde não possa sair.)

Melhor dizer que a especulação só dá certo onde as condições são favoráveis. Especulador é como o vírus oportunista: só ataca quando o organismo está frágil. Melhor do que combater a especulação é tratar de fortalecer as condições imunológicas da economia.