Título: Tensão pré-metas
Autor: Ilan Goldfajn
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2005, Economia, p. B2

O presidente da República cunhou a tensão que antecede as reuniões do Copom de tensão pré-Copom (TPC). A sociedade tem debatido com bastante veemência - talvez até excessivamente - as decisões mensais da taxa de juros. Sugiro mudar o foco. Debater com mais intensidade a definição dos objetivos dados ao Banco Central (BC) e, com menos ansiedade, a forma como o BC atua para conquistá-los. Em outras palavras, sugiro mais tensão pré-metas (TPM) e menos TPC. Este mês, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define a meta de inflação para o ano de 2007. As projeções de PIB e inflação são essenciais para a formulação da política econômica. A tarefa de projetar o crescimento do PIB é inglória e exige humildade. No Brasil, tem sido particularmente difícil projetar o crescimento do PIB nos últimos anos e, este ano, parece que não será diferente. Após um crescimento do PIB de 0,3% no primeiro trimestre e uma perspectiva parecida para o seguinte, seria necessário um crescimento anualizado de mais de 8% no segundo semestre para que se concretize a previsão de 4% de crescimento para o ano de 2005. Nas condições atuais é mais provável observar uma queda brusca nas projeções ao longo do ano que uma guinada para cima no crescimento do PIB.

Há alguns pontos no debate sobre a definição das metas de inflação que merecem atenção. Em primeiro lugar, não é correto afirmar que a simples definição de uma meta de inflação mais alta diminuiria os custos do processo de desinflação. Quanto maior é a meta de inflação mais elevadas são as expectativas de inflação e mais longo será o processo de desinflação. Isso ocorre porque os mecanismos de indexação da economia podem solidificar-se e tornar mais custoso, em termos de produto, todo o processo de desinflação.

Mas, por outro lado, também não é verdade afirmar que uma meta de inflação muito baixa não tem custos. É claro que, no longo prazo da economia, uma meta de inflação baixa de fato não compromete o crescimento da economia. Ao contrário, a estabilidade tende a beneficiar a produtividade e o crescimento da economia. No entanto, é preciso reconhecer que o Brasil ainda se encontra num processo de desinflação e que, no horizonte relevante em que as metas são definidas, a velocidade de convergência para uma inflação baixa afeta o produto. Assim, não vale a máxima de que quanto menor a meta, melhor. Há opções legítimas a serem analisadas.

Muitos consideram que a mudança para uma meta de núcleo de inflação aliviaria a política monetária. Infelizmente, essa afirmação não tem sustentação nos fatos nem na teoria. Nos momentos críticos, a inflação dos preços livres (que é a inflação do núcleo por exclusão dos preços administrados) tem subido em paralelo aos preços administrados (11,5% em 2002 e 6,4% nos últimos 12 meses). Mesmo que os preços livres e administrados tomassem direções opostas, a boa prática de política monetária recomendaria levar isso em consideração na dosagem dos juros, independentemente da forma como a meta é fixada (cheia ou núcleo).

Nos últimos anos, o processo de desinflação tem sido bem-sucedido. Após a crise de 2002, que exigiu um alongamento de prazos neste processo, a inflação tem recuado sistematicamente: de 12,5% em 2002 para 9,3% em 2003, 7,6% em 2004 e, para o futuro, espera-se uma inflação entre 6% e 6,5% em 2005 e em torno de 5% em 2006. Na decisão do CMN, no final deste mês, seria recomendável levar em consideração essa trajetória bem-sucedida, não alterando a meta para 2006 (apesar de considerar apropriado uma margem maior) nem recuando nesse processo de desinflação em 2007.

No entanto, deve-se também levar em conta que esse processo tem custos e, por causa de choques, a inflação tem permanecido acima do centro das metas (espera-se que a inflação, no final deste ano, fique dois pontos porcentuais acima do centro de 4,5%). Neste sentido, considero que a definição de uma meta para 2007 de 4,5%, mais ou menos dois pontos porcentuais (ou até dois pontos e meio, se também mudar a margem em 2006), não seria ambiciosa demais e nem interromperia o processo de desinflação - estaríamos almejando, para daqui a dois anos e meio, uma queda de quase três pontos e meio porcentuais da inflação dos últimos 12 meses. Se ficar evidente a convergência da inflação para o centro da meta em 2007, a definição da meta para 2008 poderia incorporar um centro um pouco menor. Por enquanto, sugiro continuar humildemente o bem-sucedido processo de desinflação a uma velocidade segura e, no processo, permitir a tão esperada queda da taxa de juros reais.

*Ilan Goldfajn, professor da PUC-Rio, é sócio da Gávea Investimentos. E-mail: igoldfajn@gaveainvest com.br.

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