Título: Argentina perde espaço no mercado brasileiro
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2005, Economia, p. B6

Os automóveis produzidos pelas montadoras da Argentina enfrentam graves dificuldades de ampliar sua presença no mercado brasileiro. A afirmação é do Centro de Estudos Bonaerenses (CEB), ao indicar que embora a proporção dos veículos argentinos tenha aumentado levemente sua fatia de mercado, os níveis de venda ainda continuam excessivamente baixos. Apesar da pequena participação das exportações para o Brasil, esse mercado é o principal destino das vendas externas dos automóveis argentinos.

Segundo o CEB, ficaram no passado os tempos em que a Argentina detinha 14,5% do mercado brasileiro, o ponto mais elevado conseguido pelas montadoras instaladas no país.

Esse número foi atingido em 1998, quando entraram no mercado brasileiro 223 mil unidades argentinas. A partir daí, as exportações para o Brasil entraram em vertiginosa queda.

O pior período foi janeiro-abril de 2004, quando a fatia argentina foi de 2,4%. Entre janeiro e abril deste ano, o aumento foi minúsculo, subindo para 3%, o equivalente a 15.600 unidades. O cálculo é que em 2005 as exportações argentinas para o Brasil serão de 50 mil veículos.

O CEB sustenta que o problema estrutural das exportações argentinas para o mercado brasileiro é a pouca oferta de modelos novos fabricados no país, além da maior variedade e concorrência da oferta brasileira. "Por isso, embora as vendas de alguns modelos aumentaram (Peugeot 307 e a nova Hilux), ainda persistem problemas para que os veículos argentinos se insiram nesse mercado".

Desde 1998, o total de modelos fabricados na Argentina registrou queda de vendas ao Brasil de 204 mil unidades. O Centro de Estudos afirma que 46,5% dessa queda se deve aos veículos médios. A Argentina só conta com cinco modelos comercialmente ativos. Eles são o Ford Focus, Toyota Hilux, Peugeot 307 e Mercedes-Benz Sprinter, que concentram 97% das vendas.

Mesmo com as exportações em níveis ralos, o Brasil é o principal destino das vendas automotivas argentinas para o exterior. A afirmação é da Associação de Fabricantes de Automóveis da Argentina (Adefa), ao anunciar que o Brasil - entre janeiro e maio deste ano - recebeu 39% do total de automóveis exportados. No ano passado, o mercado brasileiro foi o segundo no ranking das vendas argentinas, com 30,2% das vendas.

Assim, o mercado mexicano, que havia absorvido 43% das exportações argentinas em 2004, nos primeiros cinco meses deste ano ficou com 35,4%.

O governo argentino pretende prorrogar para 2008 abertura do mercado entre Brasil e Argentina, prevista inicialmente para 2006. Embora o pedido não tenha sido oficializado, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb, mostrou-se ontem solidário à situação do vizinho. "Entendemos que, nesse processo de recuperação econômica, a Argentina tenha dificuldades em abrir seu mercado, por isso somos flexíveis."

CALÇADOS

Informações extra-oficiais indicam que o Ministério da Economia da Argentina analisa a aplicação de medidas que regulem a entrada de calçados fabricados na China naquele mercado. A manobra, segundo o jornal Clarín, foi decidida após negociações com o governo brasileiro.

A idéia seria de, ao aplicar restrições contra a China na Argentina e no Brasil, os dois sócios do Mercosul reservem o mercado do bloco do Cone Sul para seus próprios fabricantes. Desta forma, as restrições contra a China seriam uma válvula de escape para a tensão existente há meses entre empresários do setor de calçados dos dois países.

Os argentinos exigem que os brasileiros aceitem uma autolimitação de suas vendas para o mercado local para menos de 12 milhões de pares anuais. Os brasileiros resistem à idéia, e pedem mais de 15 milhões de pares.

O ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-89) afirmou ontem em um extenso artigo publicado também no jornal Clarín que o Mercosul precisa mais cooperação e menos rivalidade. Ele, que com o ex-presidente José Sarney (1985-90) colocaram as bases para a posterior criação do Mercosul, recordou que no início da integração regional as dificuldades enfrentadas foram "enormes, muito superiores às que vivemos hoje."