Título: Carrasco é tratado como fidalgo
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, Nacional, p. A6

Jefferson diz o que quer, PT não reage à altura e mostra-se acuado diante dele O deputado Roberto Jefferson tem dito cobras e lagartos a respeito de ministros, deputados e partidos governistas; tem feito gato e sapato da reputação do PT e promete em breve apresentar provas do que diz.

Em contrapartida, é tratado com estranha fidalguia.

Fala que dois ministros se ajoelharam implorando por sua ajuda para evitar uma CPI e ambos aceitam em silêncio a humilhação; acusa o PT de comprar deputados e a reação dos petistas é de imputar-lhe, no máximo, a autoria de fantasias sem em momento algum chamá-lo mais duramente às falas.

Roberto Jefferson dá nome e sobrenome ao condutor do trem pagador da mesada aos parlamentares e Delúbio Soares nem coragem de citar o nome do acusador tem.

Ao final da entrevista concedida ontem, por duas vezes o tesoureiro balbuciou o nome de seu carrasco mas, evidentemente orientado, evitou referências diretas ou desabonadoras. Francamente, de quem se dizia tão profundamente indignado, era de se esperar mais veemência e objetividade.

Por muito menos, o senador Tasso Jereissati foi interpelado na Justiça. Em agosto de 2004, uma frase do tucano sobre o projeto das parcerias público-privadas sobre esse mesmo tesoureiro - "o projeto do jeito que está, é roubalheira para o Delúbio deitar e rolar" - despertou a ira santa do chefe da Casa Civil, um dos ministros citados por Jefferson na descrição da cena de genuflexão explícita.

José Dirceu foi ao Supremo em defesa do tesoureiro em busca de uma reparação moral, negada pelo STF. Agora, Roberto Jefferson fez bem mais que comentários genéricos: apontou Delúbio Soares como executor de suborno para deputados e a ninguém no PT ocorre fazer coisa alguma.

Apenas ontem genericamente o tesoureiro anunciou "medidas cabíveis". Ainda assim, evitando ostensivamente dizer contra quem.

Referiu-se de forma difusa a uma "chantagem" sem sujeito, objeto ou motivação declarados e, quando instado com insistência a explicar-se melhor, citou "uma entrevista que foi dada" como a origem do crime.

Falou como se por algum motivo estivesse premido pela contingência de não entrar em detalhes.

Foi assim, debaixo de extrema tensão e cuidado com cada uma das palavras pronunciadas e sob a tutela do presidente do PT, José Genoino, que Delúbio Soares saiu do esconderijo de três dias para, segundo ele, "prestar esclarecimentos à sociedade".

Não esclareceu coisa alguma. Primeiro, porque visivelmente não sabia o que dizer diante das perguntas. Saiu-se com evasivas e apoiou-se em frases de efeito repetidas a cada instante: "O PT não se rende e não se vende", "o PT não tem medo e não aceita chantagem", "estou indignado".

Entretanto, nada parecido com "o deputado Roberto Jefferson mentiu", ou o "deputado Roberto Jefferson é um caluniador", foi sequer mencionado.

Uma novidade, porém, a entrevista exibiu. Delúbio converteu-se aos ditames da transparência na política. Ontem fez da "transparência na política brasileira" uma profissão de fé.

Não era mais o mesmo Delúbio Soares que em abril de 2004 derrubou em reunião do diretório nacional do PT uma proposta do deputado Chico Alencar para que o partido pusesse sua prestação de contas da campanha eleitoral na internet.

Naquela reunião, o tesoureiro defendeu o conceito segundo o qual "transparência assim é burrice" e venceu a votação argumentando que a exibição pública das contas poderia "causar mal-estar aos doadores".

Ontem estava bem mais humilde, menos autônomo, poder-se-ia dizer, até, estreitamente vigiado pelo presidente do PT, José Genoino.

Genoino tomava a palavra quando achava conveniente e, ressaltando a todo instante o caráter "democrático" da entrevista, também tomou a iniciativa de encerrá-la 20 minutos depois aos gritos de "tá bom pessoal, agora chega, vamos embora" enquanto os jornalistas continuavam tentando saber de Delúbio o que, afinal de contas, ele havia ido fazer ali.

E o pior: depois de uma cena daquela, o PT ainda acredita que realmente deu uma satisfação "à sociedade", que Delúbio Soares está quites com a opinião pública e tudo deve ser, portanto, considerado devidamente explicado.

Meninos, ele viu

O desempenho do PT nessa operação reviravolta, incluindo a performance de Delúbio Soares e suas "explicações", mostra que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tinha toda razão no seu argumento contrário à CPI: "Os meninos do PT não têm a menor condição de enfrentar uma comissão de inquérito."

De fato, o despreparo é tão flagrante que até as defesas reforçam a presunção de culpa.

Credenciais

Justiça seja feita aos "meninos do PT": a tarefa de sustentar no dia seguinte a tese oposta à defendida no dia anterior não é nada fácil.

Assim como é espinhosa a missão de desqualificar com autoridade o deputado Roberto Jefferson - desclassificado por todos, até pelos acusados PP e PL, menos pelo PT -, depois de ter sido o responsável pelo recredenciamento dele à cena política principal antes mesmo da eleição. SP Perillo diz que confirmará denúncia na CPI "Eu irei com prazer, pois tenho compromisso com a verdade", diz governador Cida Fontes Enviada especial GOIÂNIA O governador de Goiás, Marconi Perillo, está disposto a revelar o que sabe sobre compra de votos à CPI dos Correios assim que for convocado para prestar depoimento. "Eu irei com prazer, pois tenho compromisso com a verdade", observou. Perillo não quis antecipar nomes dos parlamentares do PSDB assediados por pessoas do governo para apoiar o governo e receber o chamado mensalão e até bônus anual de R$ 1 milhão. O Estado revelou ontem que um desses nomes é o da secretária de Ciência e Tecnologia de Goiás, a deputada licenciada Raquel Teixeira (PSDB).

Ao levar a denúncia ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em maio de 2004, falou em dois parlamentares e seguramente um filiado do PSDB. "Não tenho provas. Mas são pessoas sérias e de bem e, por isso mesmo, o fato não se consumou", afirmou. Dois dias depois de surpreender o próprio PSDB ao contar que levara a denúncia ao presidente Lula, Perillo embarcou ontem para Paris com uma extensa comitiva de goianos. Ficará 15 dias fora do Brasil. Ele disse ter cumprido "obrigação" ao revelar a Lula que deputados do PSDB recebiam esse tipo de proposta. "Estou com a consciência tranqüila", afirmou.

O comportamento do governador suscitou polêmica. Seus adversários políticos acham que ele agira de forma intempestiva ao reforçar as denúncias do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), deixando mal o presidente Lula. Apostam que o principal motivo do desabafo do governador teria sido sua irritação com o fato de Goiás não estar recebendo ajuda do governo federal.

PUXÃO DE ORELHAS

O PSDB não fez reparos ao fato de Perillo ter reforçado a denúncia sobre a compra de votos por pessoas do governo. Mas ele recebeu um puxão de orelhas do prefeito de São Paulo, José Serra, e o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio. Ambos lhe telefonaram para reclamar por verem o governo FHC envolvido no episódio. Ao reproduzir a conversa que tivera com Lula, Perillo contou que o próprio presidente comentara que a compra de votos foi iniciada pelo falecido ministro Sergio Motta.