Título: Em meio a contradições, Delúbio diz que PT é vítima de chantagens
Autor: Fausto Macedo, Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, Nacional, p. A10

O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, mostrou a cara publicamente ontem pela primeira vez desde que seu nome foi apontado como operador do suposto esquema do mensalão no Congresso e, entre contradições e respostas incompletas, quase sempre confusas, declarou que permanece no posto de guardião do cofre do partido; que "está na luta política há mais de 30 anos e não acumulou bens, nem vantagens"; que está sendo "caluniado e massacrado"; que o partido e o governo são alvos de chantagem; que "está muito tranqüilo", e também "indignado"; e que abriu seu sigilo bancário e fiscal à Justiça. Revelou, porém, cuidado incomum quando questionado sobre o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), seu acusador, de quem não citou o nome uma única vez. Primeiro, recusou-se a dizer se teria coragem de ficar frente à frente com Jefferson para uma acareação. "Não se trata disso no momento", esquivou-se. Depois, não respondeu se teme que o deputado possa aparecer com provas de seu envolvimento na compra de votos e apoio para o PT.

Tenso, aparentemente cansado e inseguro, o homem das finanças do partido do presidente Lula entrou às 16h20 no auditório do diretório nacional do partido, em São Paulo, para falar sobre o mensalão.

Respostas desconexas, explicações freqüentemente interrompidas e um relato cauteloso, muitas vezes evasivo, marcaram a versão de Delúbio. Em várias ocasiões, não respondeu nada. A estratégia teria sido montada pelos companheiros da área jurídica para que evitasse comprometimentos na tumultuada entrevista.

Era a imagem de um homem acuado em seus próprios domínios. Na sala acanhada, decorada com a foto de um Lula sorridente, ele exibia a estrela do PT na lapela e os olhos avermelhados. Nenhum ministro, nenhum dirigente de alto escalão do PT foi lá emprestar-lhe solidariedade - exceto um e outro militante histórico e o presidente do partido, José Genoino, que tinha a missão de proteger o acusado, o que fez com impertinência.

As duas primeiras perguntas endereçadas ao caixa do partido foram atravessadas por Genoino, que chamou para si as explicações que julgou oportunas. Os repórteres queriam saber de Delúbio se ele se afastaria do cargo e porque demorou tanto para se pronunciar sobre o escândalo que abalou o governo. "Sobre isso eu respondo", cortou Genoino. "O companheiro Delúbio vai continuar com o seu trabalho." Mais tarde, ele encerrou abruptamente a conferência.

Como o sr. se sente diante da avaliação de que sua permanência desgasta a imagem do governo?

Nós temos discutido muito sobre esse assunto. O PT é uma instituição e sua direção é responsável por seus atos. Eu tenho dito e quero repetir: não tenho medo de qualquer investigação. A permanência na direção executiva do PT é ter uma responsabilidade. Essa função (a de tesoureiro) me foi delegada e aprovada. O diretório nacional é quem delibera pelo afastamento de qualquer membro. Esse assunto não foi tratado, portanto vou continuar a exercer a minha função que sempre exerci nos últimos quatro, cinco anos no PT.

O sr. fala em chantagem. Quem é que está chantageando o governo?

A chantagem foi publicada no jornal. Nós não aceitamos chantagem. Não me prejulguem pela versão de uma chantagem porque o Brasil é maior do que essas acusações. Estou muito indignado. Estão tentando chantagear não só ao PT, mas também o governo e também o Congresso. O PT não se rende e não se vende. Nós vamos nos colocar à disposição de todas as investigações. O PT não tem medo e eu, em particular, também não.

No início desse caso, foi atribuída uma frase ao ministro José Dirceu (Casa Civil) de que o sr. não resistiria a uma CPI. Seu trabalho compromete o PT e o presidente Lula?

É a famosa mentira que tentam colocar como verdade. O ministro Dirceu publicou uma nota ao diretório nacional e à sociedade negando essa frase. Nós estamos à disposição. Eu, Delúbio Soares, tesoureiro geral do PT, secretário de finanças do PT, não tenho medo de nenhuma investigação. Sendo convocado lá estarei prestando esclarecimentos.

Quantas vezes o sr. se encontrou com Roberto Jefferson? Que assuntos foram tratados? O que o tesoureiro do PT faz no Palácio do Planalto?

A direção do PT tem por obrigação tratar de assuntos partidários com os demais partidos da base aliada e, muitas vezes, com os partidos da oposição. Eu sou um dirigente do partido. A mim foi delegado, junto com o presidente (Genoino), tratar de vários assuntos, principalmente eleitorais, em 2004. Conversamos com todas as direções dos partidos, inclusive com a direção do PTB. Tivemos várias reuniões e elas foram divulgadas. Nos reunimos na sede do nosso partido para tratarmos dos assuntos de interesse dos partidos da base aliada. Quanto ao Palácio do Planalto lá estive várias vezes para tratar dos assuntos de interesse do PT. É isso que aconteceu.

O sr. forneceu dinheiro ou facilitou recursos para campanha de qualquer deputado da base aliada ou não do PT?

O PT não compra voto e apoio de deputado. O PT participou, no ano passado, de campanha eleitoral. Os acordos eleitorais foram tratados entre os partidos. O PT e os partidos da base aliada fizeram acordos que foram traduzidos em apoio aos candidatos nos municípios. Isso foi feito em comum entre os partidos.

Incluía liberação de recursos?

Não.

Teria coragem de fazer uma acareação com Roberto Jefferson?

Não se trata disso nesse momento.

Sim ou não?

Isso é tarefa da investigação, no foro correto.

Abre seu sigilo telefônico?

Também, nunca neguei que conversei com o presidente...

Abre o sigilo bancário de seus familiares?

Também, não há problema nenhum. No momento correto, não há problema quanto a isso.

O sr. tem por hábito receber em sua casa presidentes de partidos da base aliada?

Na minha casa? Não é habitual isso.

Roberto Jefferson?

Não.

Não recebeu ou não lembra?

Não recebi nenhum presidente de partido na minha casa.

Nem de nenhum dirigente de partido da base aliada?

Já recebi dirigentes de outros partidos em minha casa, tanto em Goiânia, nas campanhas eleitorais, e aqui em São Paulo, onde moro em apartamento alugado há 15 anos, desde 1989, na Alameda Jaú, 66. Nessa campanha de 2004 tratei com vários aliados, na minha casa e na casa deles. Discutimos as necessidades. Não vejo problema nisso. Na minha casa foi o pessoal do PL, eu fui na casa deles.

O que era tratado com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto?

O presidente do PL eu conheci na campanha. Já conhecia de nome, trabalhamos juntos no início de 2002. Trabalhamos para fazer a coligação. Fizemos a campanha eleitoral. O Valdemar Costa Neto continuou presidente do partido e temos mantido diálogo permanente. Não tenho nenhuma restrição, o presidente do PL tem sido pessoa correta. Não tenho nenhum problema de encontrar com o presidente do PL, seja na minha casa, seja no escritório do PT, seja na sede do PT ou em Mogi das Cruzes, onde fui visitá-lo, em apoio ao candidato do PL naquela cidade.

O presidente Lula disse que está disposto a cortar na própria carne. O sr. se sentiu atingido por essa declaração?

Não, e quero dizer que concordo com o presidente Lula. Havendo desvio de conduta por parte de qualquer militante do PT, seja ele um simples militante ou mais graduado, qualquer um tem que ter responsabilidade pelo ato que cometeu. Os partidos mencionados já tomaram suas providências, vamos tomar as medidas legais cabíveis nesse caso.

Por que anda com proteção?

Sou responsável pelo planejamento e pela segurança do PT. Em 2001, tivemos o trágico assassinato do Toninho (prefeito de Campinas). Em janeiro de 2002, tivemos a infelicidade de perder o companheiro Celso Daniel (prefeito de Santo André). Adotamos um esquema de segurança, sustentado pelo PT, com carro blindado. Sou um dos dirigentes que andam sob proteção. Eu estava sendo seguido.

Ouviu falar em mensalão?

A primeira vez que vi essa palavra foi no Jornal do Brasil, em setembro. Conversamos na executiva nacional do PT, com o Genoino. Pedimos providências ao presidente da Câmara, que fez a investigação, e ao Tribunal Superior Eleitoral. O PT não tem participação em esquema de compra de votos ou compra de apoio de candidatos.

Chantagem significa alguém exigindo alguma coisa do governo, o que estão exigindo?

Estamos entendendo, pelo conteúdo da entrevista (de Jefferson), que existe uma ameaça ao Congresso e a membros do Congresso, aos partidos políticos citados. É isso que entendemos por chantagem.

O sigilo financeiro do PT será aberto?

O PT presta contas ao TSE, nossas contas estão à disposição de todos. Abrir o sigilo bancário do PT é desnecessário. O PT não aceita chantagem. Podem acusar o PT de várias coisas, mas o PT não aceita corrupção, defende a ética na política e na administração pública.

O sr. teme que Jefferson apareça com provas?

Vai ter uma investigação no Congresso. O presidente da Câmara já mandou investigar. Estou à disposição.