Título: Bolívia decide hoje o futuro da presidência
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, Internacional, p. A14

Líderes sociais prometem radicalizar hoje o já conturbado momento político da Bolívia, impedindo a realização de uma sessão especial do Congresso. A estratégia é fazer com que os 157 parlamentares não cheguem até a cidade de Sucre, para onde foi transferida a sessão que analisará a renúncia do presidente Carlos Mesa como forma de fugir dos protestos que há mais de 20 dias paralisam a capital, La Paz. Seu objetivo é evitar que Hormando Vaca Díez, presidente do Congresso e primeiro na linha sucessória caso a renúncia seja aceita, se torne o novo presidente boliviano. Os manifestantes devem bloquear as estradas de acesso à pequena e histórica Sucre, no sul da Bolívia. A cidade foi a primeira capital do país. Eles prometem impedir a saída de passageiros, incluindo os parlamentares que devem chegar amanhã, do aeroporto local. Estão mobilizando índios e camponeses dos Departamentos (o equivalente aos Estados no Brasil) de Chuquisaca, onde fica Sucre, Potosí, Tarija e Cochabamba. Caso não consigam impedir a sessão, já mobilizaram os 41 parlamentares do Movimento ao Socialismo (MAS), do líder cocaleiro Evo Morales, e Movimento Indígena Pachakuti (MIP), para obstruir qualquer votação.

O presidente do Congresso exigiu do governo, ainda nas mãos de Carlos Mesa, que dê garantias para a realização da sessão. A polícia reforçará sua presença em Sucre. Em La Paz também ocorrerão manifestações de sindicalistas, operários, mineiros, professores, motoristas, cocaleiros e indígenas. Os movimentos sociais exigem que Eduardo Rodríguez, presidente da Suprema Corte, assuma interinamente e sejam convocadas eleições gerais. Se isso não ocorrer, ameaçam com uma série de protestos violentos, como a invasão do Congresso. Mesa pediu anteontem que Vaca Díez e Mario Cossío, presidente da Câmara dos Deputados, renunciem e convoquem eleições. Cossío afirmou "não ter nenhum problema em renunciar". A grande dúvida é o que fará Vaca Díez .

Ontem o dia foi de relativa tranqüilidade em La Paz. Houve algumas explosões de dinamite, mas sem a mesma intensidade de quarta-feira, quando mais de 50 pessoas foram presas, 12 ficaram feridas e mais de mil bombas foram recolhidas pela polícia. Na Praça San Francisco, líderes indígenas, como Celestino Villegas, fizeram manifestações para rechaçar a permanência dos atuais políticos no poder. "É um golpe que não admitiremos. Não vamos aceitar Vaca Díez nem Mario Cossío", protestou. "Haverá a tomada de Sucre pelos indígenas, o aeroporto será tomado por nossa gente."

O "golpe" a que se refere Villegas é um sentimento presente entre os líderes dos movimentos sociais, a maioria com fundo esquerdista e uma minoria apolítica. Eles temem que Vaca Díez, representante da oligarquia da região de Santa Cruz, a mais rica do país, assuma o poder com o apoio do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e de partidos que eram aliados do MIR. Eles são maioria no Congresso. Caso os parlamentares decidam aceitar a renúncia de Mesa e empossar Vaca Díez, estarão respeitando integralmente a Constituição.

O que preocupa as autoridades é que cidades como La Paz e El Alto estão enfrentando problemas crescentes com os bloqueios e marchas. O prefeito da capital, Juan del Granado, informou que fará novas reuniões com os dirigentes sindicais e das juntas de vizinhos (responsáveis pela maioria dos bloqueios) para que haja a liberação do tráfego entre as duas cidades. O secretário municipal de Saúde, Álvaro Mu¿oz Reyez, disse que no fim de semana poderá haver o caos nos hospitais (mais informações sobre os protestos na pág. A16).