Título: Partido Comunista francês abre arquivo
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, internacional, p. A18

É difícil imaginar uma instituição mais fechada do que um partido comunista. Os arquivos dos PCs parecem com o que chamamos no espaço de buracos negros, um ponto sem fundo no qual a luz pode entrar, mas nunca mais sai. Um desses buracos negros foi aberto ontem. O Partido Comunista francês pôs à disposição dos curiosos 800 metros lineares de documentos nos quais são relatados todos os episódios da vida do PCF desde sua criação, há 80 anos. Não é pouca coisa. O PCF figura, com o PC italiano, entre os mais poderosos da Europa. Em 1945, o PCF recebeu 33% dos votos nas eleições gerais.

Numerada e informatizada, essa massa de documentos será acessível a partir de julho. O que há nela? Tudo, levando-se em conta a mania de papel dos militantes do PC. Por isso, os relatórios e as minutas das reuniões do partido, os estenogramas dos Comitês Centrais. O mais esperado será o capítulo dedicado à famosa Polex, encarregada das relações com os PCs irmãos, incluindo Moscou, o que esclarecerá os momentos mais difíceis da aventura do partido leninista, stalinista depois kruchevista e, mais tarde, brejnevista.

Depois, poderão ser encontrados os grandes processos stalinistas, que decapitaram as células do PCF, especialmente as intelectuais. Em 1950, a célula de Saint Germain des Prés, em Paris, intimidou os dissidentes, principalmente a grande escritora Marguerite Duras. Poderá ser visto também o processo Marty-Tillon, de 1952, no qual o objetivo era afastar esses dois prestigiosos chefes em benefício do secretário do PCF Maurice Thorez. Tornar-se-á público também como Georges Guingouin, um grande comunista dos anos da guerra, foi alvo de várias tentativas de assassinato.

Espera-se que sejam liberados documentos sobre a Guerra Civil Espanhola, de 1936, quando um chefe do PCF, Jacques Duclos, teve um papel nefasto na eliminação, pelos comunistas espanhóis, de anarquistas da Catalunha, que estavam, no entanto, entre os mais heróicos combatentes antifranquistas.

A abertura dos arquivos permitirá conhecer costumes stalinistas: a ferocidade, a frieza, a ausência de piedade, a minúcia policial com a qual os dirigentes comunistas tratavam tudo, mesmo fatos insignificantes, pois a história mostrou que detalhes podem mais tarde ser usados para eliminar X ou Y.

Haverá lacunas - por exemplo, não existe nada além de vagas referências às viagens de comunistas franceses a Moscou, e menos ainda sobre o financiamento pela URSS de PCs estrangeiros. Não importa. Na expectativa das revelações, os historiadores do comunismo e do período abrangido já esfregam as mãos.