Título: Dente leva a crocodilo pré-histórico
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2005, Vida&, p. A19

Um dente serrilhado encontrado há 15 anos pelo estudante Clésio Felício, então com 13 anos, numa estrada de General Salgado, no interior de São Paulo, permitiu uma das maiores descobertas paleontológicas recentes no Brasil - um cemitério de Baurusuchus salgadoensis, espécie com forma semelhante à dos crocodilos de hoje até então desconhecida e extinta há 90 milhões de anos. Os fósseis achados na Bacia de Bauru mostraram que a região era suscetível a catástrofes meteorológicas - secas intensas alternadas com cheias terríveis. E ajudam a comprovar a tese sobre a existência do supercontinente Gondwana, que reunia América do Sul, Antártida, África, Índia e Austrália. Parentes do B. salgadoensis foram encontrados no Paquistão.

A pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio, foi reportagem de capa da revista internacional Gondwana Research, que se dedica a estudos sobre o supercontinente. Em General Salgado, os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Museu de Paleontologia de Monte Alto (SP), encontraram fósseis de 14 crocodilomorfos - 11 pertencentes à nova espécie B. salgadoensis. Eles se diferem dos demais Baurusuchus por causa de uma protuberância sobre as órbitas oculares, que protegiam os olhos da radiação solar, e da estrutura nasal diferente.

O B. salgadoensis tinha cerca de 3 metros de comprimento e pesava 400 quilos. Pernas eretas permitiam que se deslocasse por grandes distâncias. Tinha narinas frontais, o que indica hábitos terrestres. Os dentes serrilhados levam à conclusão de que era um "feroz predador". "Talvez tivessem até um comportamento carniceiro da espécie na falta de água", diz o geólogo da UFRJ Ismar de Souza Carvalho, que dividiu a pesquisa com Pedro Henrique Nobre e o diretor do museu, Antônio Celso de Arruda Campos.

Carvalho acredita que o B. salgadoensis se enterrava em sedimentos lodosos, em busca da umidade do solo para evitar a dissecação do corpo nos períodos prolongados de seca. Se a chuva não chegasse a tempo, acabava morrendo e era soterrado quando as tempestades - embora curtas - atingiam a região. Por isso os fósseis estavam tão bem preservados.

Ontem, na apresentação dos fósseis e da reprodução em tamanho natural, o professor João Tadeu Arruda, de 55 anos, não conseguia conter as lágrimas. Foi para ele que o estudante entregou o dente serrilhado e apontou o local onde havia "ossos de bezerrinhos presos às rochas".

Arruda peregrinou em busca de pesquisadores que o ajudassem a revelar o segredo das rochas de General Salgado até chegar ao Museu de Monte Alto há sete anos.