Título: Sob a ótica do perdedor
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2005, Nacional, p. A6

Na guerra das CPIs, a oposição corre o risco de perder, no máximo, algumas reputações Mostra a experiência que quem quer muita CPI não quer nenhuma. Portanto, essa guerra de comissões de inquérito para lá e para cá resulta em provocações inúteis e ainda autoriza a suspeição de que, ao fim e ao cabo, o Parlamento como um todo está morrendo de medo de exibir suas entranhas à visitação pública.

A oposição usa a possibilidade de fazer comissões de inquérito exclusivas do Senado, onde tem mais força e supremacia política, para pressionar o governo a deixar de lado as tentativas de atrapalhar o andamento de comissões conjuntas das duas Casas do Congresso.

O governo joga com ameaças do passado para ampliar o raio das investigações e, com isso, imagina refrear o ânimo dos que teriam contas a prestar e não estariam interessados em reabri-las.

Não vai dar certo e por um motivo simples: a oposição teria a perder, no máximo, algumas reputações e a expectativa de um projeto futuro, enquanto para o Palácio do Planalto o que está em jogo é o poder a duras penas conquistado e almejado por pelo menos mais um mandato presidencial.

Além disso, ao governo faltam atributos para se candidatar à chance de sucesso nessa batalha de ameaças e insinuações. Os últimos dois anos e meio mostraram que o presidente Luiz Inácio da Silva, seu partido e estrategistas cotidianos carecem de preparo, sutileza, tirocínio e experiência para lidar com o elenco há anos em atuação na cena política brasileira.

Lula e seus correligionários chegaram ao poder imbuídos da certeza de que comprariam a submissão dos "300 picaretas" com benesses do Estado e conseguiriam ficar imunes à lama pois a sociedade compreenderia eventuais desvios éticos como concessões necessárias, uma espécie de pedágio a ser pago às "elites dominantes".

O "preço" para ter maioria parlamentar tem sido apresentado como justificativa à conversão do PT aos modos baixos e atrasados de fazer política. Em sua viagem à Europa, o ministro José Dirceu ensaiou explicação aos interlocutores dizendo que o partido chegou ao poder ingênuo e foi vítima de sua "boa-fé socialista".

A despeito da inexistência de boa-fé e de resquícios de preceitos socialistas no modo petista de se relacionar com partidos escolhidos para a chamada coalizão governista, admitamos a presença do fator ingenuidade na movimentação do governo entre seus pares.

Inclusive porque só a isso é possível atribuir determinadas ilusões a que se prende o núcleo central do governo. Uma das mais eloqüentes é justamente a de achar que só a posse da maioria basta, sendo dispensáveis outras habilidades na arte de manejar a diversidade social, moral, ideológica e partidária contida no Congresso.

Por isso soa sincera a surpresa dos governistas quando vêem resultar em fracasso iniciativas bem-sucedidas em administrações anteriores. Como não enxergam nuances, não percebem também as diferenças.

Caso clássico foi o da disputa pela presidência da Câmara, quando o PT acreditou no dogma segundo o qual governo ganha sempre. Esqueceu-se de que é preciso empenho e, sobretudo, não menosprezar a força do adversário muito menos as insatisfações dos aliados.

Agora, ao imaginar que pode neutralizar a CPI dos Correios e as investigações sobre o pagamento de mesadas a deputados simplesmente propondo a ampliação dos trabalhos a governos anteriores, de novo avalia o panorama com visão distorcida.

Acha que, como tem maioria, conseguirá o que não conseguiu quando era minoria. Ora, a oposição é minoritária e, no entanto, pôde ultrapassar os obstáculos para instalar a CPI.

Com a colaboração da nação governista, é fato, mas esta só ajudou porque a opinião pública empurrou e os erros acumulados nesses dois anos de meio acentuaram - quando deveriam atenuar - as discrepâncias numa base de apoio sem o mínimo de identidade entre si.

Lá atrás, isso fica agora mais evidente ainda, em alguns casos o PT não conseguiu convencer a maior parte das pessoas da consistência de suas propostas de investigações e, em outros, não pôde reunir evidências suficientes para mobilizar a pressão de fora para dentro do Congresso.

Agora, não é improvável que malfeitos anteriores venham à luz. Mas o PT já não poderá tirar deles dividendos políticos, pois é seu governo que está em questão. No mínimo, será percebido pela sociedade como partícipe de esquemas que prometeu debelar, mas aos quais preferiu se associar. Por inércia ou inépcia, para dizer o menos.

Motivação

Ao decidir adiar para terça-feira a escolha do presidente e do relator da CPI dos Correios, governo e oposição não tiveram em mente a possibilidade de, nesse meio tempo, chegar a um acordo.

Aos oposicionistas interessou passar mais alguns dias tirando proveito da tentativa do governo de manipular as investigações, em contradição com o discurso do presidente Lula.

Aos governistas, em maioria numérica suficiente para ganhar a parada no voto, bateu a impressão de que a oposição queria mesmo ser atropelada e posar de vítima do trator oficial.