Título: Angra 3 e a opção nuclear
Autor: Edson Kuramoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2005, Economia, p. B2

A energia nuclear terá um importante papel no século 21. O mundo começa a se voltar novamente para as usinas nucleares como alternativa para aumentar a oferta de energia elétrica. Em abril, por exemplo, 74 países assinaram moção defendendo o papel da geração nuclear na redução do aquecimento global, em conferência da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Os Estados Unidos vão investir em novas centrais e a China planeja construir 40 usinas nucleares até 2020. Japão, Índia, Coréia, Rússia e Argentina também seguem caminho semelhante. Essa reação se deve basicamente a dois fatores que irão influenciar na formação da matriz energética mundial neste século. O primeiro é a previsível crise do petróleo, que, segundo especialistas, virá nos próximos 20 a 30 anos. O segundo é a obrigatoriedade de deter o aquecimento global, que constitui a maior ameaça ambiental de nosso tempo. Países que apostaram nas energias renováveis como solução energética descobriram que elas não são suficientes e que precisam de uma fonte limpa e de grande escala.

Um dos gurus dos ambientalistas, o cientista britânico James Lovelock - criador da Teoria de Gaia e um dos pioneiros dos estudos sobre o efeito estufa - afirmou que as centrais nucleares são seguras e limpas. No final de abril, o ex-militante do Greenpeace e consultor ambiental Patrick Moore apontou, em depoimento ao Senado americano, a viabilidade da energia nuclear e o equívoco da militância ambientalista ao se opor a ela.

É nesse cenário de retomada da opção nuclear no mundo que o governo federal está prestes a decidir sobre o destino da usina nuclear Angra 3. O domínio completo do ciclo do combustível, alcançado com a implantação em escala industrial do enriquecimento, a partir da fábrica das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Resende (RJ), insere o Brasil num clube seleto de nove países que dominarão o mercado de geração nuclear no mundo neste século. O acesso à tecnologia nuclear foi o principal tema na Conferência das Nações Unidas para a Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). A proposta do "apartheid" tecnológico ganha força dentro da organização, no intuito de cercear o desenvolvimento nuclear das nações que não possuam armamentos dessa natureza, sob o pretexto de evitar a proliferação de tecnologias sensíveis. Se quisermos investir no setor, o momento é agora.

Angra 3 é essencial para dar rentabilidade ao setor nuclear e fazer jus a todo o investimento já feito. Por isso, não se pode entender a demora para decidir pela construção da usina. Há uma grande necessidade de diversificação do sistema elétrico brasileiro, de forma a reduzir a dependência das hidrelétricas, sujeitas a instabilidades climáticas e a problemas ambientais, e que requerem grandes investimentos em linhas de transmissão.

Além disso, é técnica e ambientalmente inviável aproveitar 100% do nosso potencial hidráulico. A partir de agora, as usinas hidrelétricas ficarão cada vez mais caras, pois deverão ser construídas na Região Norte, onde o custo ambiental é altíssimo. Parte significativa desse potencial se encontra em rios da Amazônia, o que aumenta a polêmica, pois o impacto certamente será grande. Esses fatores tornarão as usinas nucleares competitivas economicamente com as hidrelétricas. Hoje, a tarifa nuclear é competitiva com a das usinas a gás e inferior à das energias alternativas. Vale ressaltar que a oferta de gás é insuficiente para operar as usinas existentes, quanto mais sustentar a construção de outras unidades, fato reconhecido pelo próprio Ministério das Minas e Energia.

Angra 3 é a obra mais fácil de ser iniciada e concluída dentre os empreendimentos do governo no setor elétrico. O projeto é idêntico ao de Angra 2, o local já está preparado para o início das obras, as linhas de transmissão estão instaladas, a subestação de energia já foi construída, toda a infra-estrutura para implantação do canteiro já existe e o relatório de impacto ambiental se encontra pronto. Adicionalmente, a retomada da central nuclear foi debatida por todos os segmentos da sociedade em audiências públicas, debates no Congresso e em incontáveis grupos criados pelo governo federal. Não existem mais pendências. Temos a terceira maior reserva de urânio do mundo, com somente 30% do território nacional prospectado. Após tantos anos de investimento no setor nuclear, seria um contra-senso deixar de concluir a obra que consolidará todos esses esforços.