Título: Sob estreita vigilância
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2005, Nacional, p. A6

Manobras para controlar a CPI serão tão inúteis quanto foi a tentativa de evitá-la A composição da comissão mista que investigará corrupção nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil é importante, bem como tem lá sua relevância a disputa de partidos pela posse da relatoria e da presidência da CPI. Nenhum dos dois movimentos, porém, é determinante para o destino dos trabalhos. Neste caso pelo menos, a comissão de inquérito não trabalhará referida nas conveniências internas do Congresso: será estreitamente vigiada pela opinião pública e este será o fator essencial para seu sucesso ou fracasso.

A regra vale para o governo e para a oposição. O primeiro será fiscalizado para não esconder as coisas e a segunda será condenada se tentar usar denúncias para se exibir.

Suas excelências governistas já deveriam ter-se dado conta de que, se pudessem controlar qualquer coisa, teriam impedido a instalação da CPI.

Não puderam fazê-lo não por uma questão de maioria; no final da semana passada até contabilizavam apoios numéricos suficientes para levar o caso à morte contestando a constitucionalidade da comissão.

Os fatos determinaram a criação da CPI e as evidências levaram o governo, primeiro, a tentar o velho truque de dizer uma coisa a fazer outra: no discurso apoiar as investigações e, na prática, continuar tentando postergá-la. E depois, a render-se a contragosto, embora ainda sob a égide da ilusão de que seja possível controlar as investigações.

Uma coisa é o Palácio do Planalto montar sua estratégia no Congresso a fim de enfrentar com organização e habilidade um processo de investigação cujo fato-protagonista ocorreu nas dependências de uma repartição do Poder Executivo.

Outra coisa é acreditar que, por força da atuação dos integrantes da comissão, mesmo em maioria, ou por conta do enunciado do requerimento de criação da CPI, será possível conduzi-la ou restringi-la.

Ainda que o requerimento fale em inquérito limitado aos Correios, qualquer fato que aparecer a respeito de qualquer pessoa física ou jurídica, se for grave, terá de merecer a atenção da CPI.

A relutância do PFL em fazer um acordo de restrição formal antes da instalação da CPI aos Correios era apenas para não criar uma jurisprudência. Para não consagrar o princípio de que comissões de inquérito precisam ser submetidas ao exame da Comissão de Constituição e Justiça antes de serem instaladas.

Uma vez indicados os integrantes da CPI, os pefelistas concordaram que o requerimento fosse restrito aos Correios, sabendo que a realidade de fora, e não as conveniências "de dentro", dirigirão os acontecimentos.

O máximo que o governo consegue tentando ficar com os cargos principais da CPI sem levar em conta a representação da minoria é de novo entregar de presente uma vitória política para a oposição.

Os ganhos e as perdas a serem contabilizados no transcorrer da CPI não serão referidos na relação numérica da comissão nem poderão ser produzidos por ações do presidente ou do relator da comissão.

A questão toda é política, diz respeito ao que pensa ou deixa de pensar o respeitável público (pagante) e, assim, qualquer tentativa de manobra ou recurso a expedientes meramente formais resultará em prejuízo a seus autores.

Como de resto ocorreu até agora, sempre que o governo bancou confrontos que não tinha condições políticas de sustentar, muito menos de ganhar.

Pontos de vista

PFL e PSDB só não brigam em público, mas estão divergindo poderosamente na forma de fazer oposição no presente cenário de denúncias de corrupção.

Os pefelistas consideram um equívoco a atitude razoavelmente contemporizadora adotada pelo PSDB que, sob a ordem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, anda a tomar cuidados para não pôr "fogo no paiol".

Pode ser uma atitude estratégica, com vistas a não transformar o PT e o governo em vítimas, reconhece o PFL. Mas, dizem os parceiros preferenciais dos tucanos, é um caminho arriscado.

Na visão pefelista, o risco é o PSDB vir a se tornar sócio do governo na crise e, na ótica popular - pouco afeita a distinguir nuances -, acabar dividindo os prejuízos das suspeições. Por essa lógica, a tentativa de mostrar-se virtuoso por não querer incendiar a cena poderia voltar-se contra o PSDB como percepção de conivência.

Sem contar os efeitos eleitorais. Intramuros, o PFL admite que seu candidato à Presidência, o prefeito César Maia, está em "viés de baixa" desde a intervenção federal - suspensa pela Justiça - no sistema de Saúde do Rio de Janeiro.

Ao esmorecer, crê o pefelê, o PSDB está abrindo espaço para candidaturas como as de Anthony Garotinho e Heloísa Helena. Esta, na avaliação do PFL, em franco "viés de alta".

Notório saber

O senador Antônio Carlos Magalhães lançou um repto ontem da tribuna do Senado: "Quem tem medo de CPI que renuncie ao seu mandato."

Falou com autoridade de quem renunciou ao seu para evitar processo por falta de decoro em função da violação do painel eletrônico da Casa, por ocasião da votação da cassação do então senador Luiz Estevão.