Título: Líderes do Congresso boliviano renunciam à sucessão presidencial
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2005, Internacional, p. A14

Ao fim um dia de violentos protestos nos quais uma pessoa morreu, a Bolívia parecia encaminhar-se finalmente ontem à noite para uma saída de seu labirinto político. Numa entrevista inesperada em Sucre, o presidente do Congresso, senador Hormando Vaca Díez, afirmou que renunciará à sucessão presidencial, mas exigiu que os manifestantes suspendam todos os protestos. Segundo ele, o presidente Carlos Mesa, cujo pedido de renúncia ainda deve ser analisado pelos parlamentares, e o líder oposicionista Evo Morales, deputado do Movimento ao Socialismo (MAS), estão por trás dos conflitos que fazem com que o país não viva uma democracia. "Anuncio ao povo boliviano que, na sessão do Congresso, se o voto for pela aceitação da renúncia (de Mesa), Hormando Vaca Díez declinará irrevogavelmente (da sucessão), e com isso acabou", disse o senador, para em seguida exigir: "Levantem (os protestos) e instalaremos a sessão aqui mesmo em Sucre." Os movimentos sociais interpretaram inicialmente essas declarações como chantagem política e afirmaram que não vão aceitar esse jogo. Mas, pouco depois, os congressistas já começavam a se mobilizar para tentar iniciar, ainda na noite de ontem, a sessão do Congresso que definirá o futuro do país.

A tensão, porém, continuava alta. Minutos antes da entrevista do presidente do Congresso, Evo Morales havia afirmado: "Queremos denunciar que Vaca Díez usaria regimentos militares para dar um golpe de Estado."

O presidente da Câmara, Mario Cossío, também se pronunciou depois dos dois políticos e reiterou que não tem apego ao cargo de presidente da república. Ele seria o segundo da sucessão constitucional. Mas advertiu: "Existe um plano para acabar com a democracia e o sistema político da Bolívia."

Com a desistência dos líderes do Congresso, fica aberto o caminho para que o presidente do Supremo Tribunal,

Eduardo Rodríguez, assuma interinamente a presidência com a atribuição de convocar eleições antecipadas - possivelmente para dezembro.

No início da tarde, a morte de um mineiro num confronto com soldados provocara um segundo adiamento da sessão do Congresso, prevista inicialmente para o período da manhã e, depois, ante os protestos, para as 19 horas locais. A justificativa dos parlamentares foi a de que a morte criou um clima muito difícil e hostil para tomar qualquer decisão.

No fim da tarde, com a chegada de mineiros de Potosí, que começaram a explodir cartuchos de dinamite, lançar pneus queimando na direção dos militares e gritar "assassinos, assassinos", a tensão aumentou, fazendo Sucre parecer com a La Paz paralisada por manifestações. Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas contra os manifestantes, o que provocou um grande tumulto e pânico.

O adiamento provocado pelos violentos confrontos indica que, até aquele momento, Vaca Díez não havia cedido às pressões populares e pretendia mesmo assumir a presidência, já que era o primeiro na linha sucessória depois que a renúncia de Mesa fosse aceita. Vaca Díez tem maioria no Congresso.

Às 18h20 (19h20 de Brasília), o senador deixou a prefeitura de Sucre, onde se realizavam as reuniões dos parlamentares, e saiu sem dizer nada. Um deputado disse que Vaca Díez foi para um quartel do Exército, onde estaria em segurança. Horas depois, reapareceu anunciando sua decisão de renunciar à sucessão.

Os movimentos sociais rejeitam com veemência Vaca Díez. Até mesmo um ato falho dele ontem de manhã, repetido à exaustão pelas tevês, foi interpretado pelos populares como uma prova de que ele não abandonaria a oportunidade de tornar-se chefe de Estado. Ele disse: "Eu sou presidente da República, perdão, presidente do Congresso..."

A chegada dos mineiros em Sucre, capital constitucional da Bolívia, mudou por completo o clima da cidade, que pela manhã, quando deveria ter acontecido a sessão extraordinária do Congresso, estava muito tranqüila. Aos gritos de "fuzil se cala, o povo não se cala", os mineiros inflaram os ânimos dos demais manifestantes.

O incidente que resultou na morte do mineiro ocorreu em Yotala, 15 quilômetros ao sul de Sucre. O mineiro, identificado como Juan Coro, de 52 anos, teria sido alvejado por soldados, segundo manifestantes. Outras duas pessoas ficaram feridas.

A Petrobrás tem muito interesse nos destinos da Bolívia, já que é uma das multinacionais que explora o gás boliviano (ler mais nas págs. B1, B3 e B4 do Caderno de Economia).