Título: Indústrias já temem racionamento
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2005, Economia, p. B3

A indústria ceramista brasileira está em polvorosa. Quase a totalidade do parque industrial no Brasil é alimentado com gás natural. Entretanto, a crise política que varre a Bolívia levou a Petrobrás a assegurar o fornecimento do insumo até, no máximo, terça-feira. "Ninguém sabe o que fazer. O setor vive um momento de preocupação extrema", resumiu João Oscar Bergstron, presidente da Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer).

Ao migrar para o gás, o setor abandonou o carvão e o GLP. Agora, se de fato for suspenso o abastecimento, a indústria não terá alternativa senão paralisar a produção de revestimentos. Por dia, os ceramistas tiram dos fornos em média 1,5 milhão de metros quadrados de revestimento.

O Pólo Ceramista de Santa Gertrudes, o maior do País, deve produzir este ano 400 milhões de metros quadrados, uma cadência de 1,09 milhão m3 por dia. Somente o pólo paulista consumiu quase 10% da distribuição de gás natural da Comgás no ano passado. Esta vendeu 3,8 bilhões de m3.

São dois os temores que passam a atormentar os ceramistas. Uma eventual paralisação do fornecimento do principal insumo energético, além de paralisar o faturamento, poderá trazer sérios danos aos equipamentos, pois os fornos têm de funcionar ininterruptamente.

Segundo Bergstron, a Comgás terá de informar até quando poderá fornecer gás. A informação deverá ser dada ainda hoje. A suspensão do fornecimento não pode ser imediata. O resfriamento abrupto dos fornos pode causar choque térmico, causando danos ao seu funcionamento, que pode custar milhões de dólares. O forno precisa ser resfriado lentamente. Isso significa que o setor pode passar dias sem produção.

"A situação pode desorganizar o abastecimento do mercado interno, além de atingir os contratos de exportação. Logo agora que o setor havia tomado uma fatia do mercado externo", diz Antonio Carlos Kienling, superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer).

Segundo ele, há ainda os custos de regulagem dos fornos quando voltam ao funcionamento. "O ciclo de tempo para isso pode ser de dez dias", afirma. O setor trabalha com uma média de estoques suficientes para atender o mercado por 30 dias.

De acordo com Kienling, poucas indústrias têm agora alguma alternativa ao gás natural. Os sistemas de distribuição interna para GLP foram preservados em poucas fábricas. Mas, ainda assim, a mudança de insumo implica troca dos queimadores e nova regulagem do forno. Há o problema ainda da distribuição do produto. "Com o gás natural, a estrutura para fornecimento do GLP foi desmontada", lembra Bergstron.

O setor aguarda as medidas internas de governo e os desdobramentos da crise do outro lado da fronteira. Já havia o descontentamento em relação ao preço do insumo - cujo peso na produção supera os 30%. O risco de desabastecimento pode acelerar um movimento já em curso: o uso, novamente, do carvão.