Título: Teimosia - a história se repete!
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

Durante o segundo semestre de 1998 passamos por processo semelhante. Enquanto a percepção geral era de que o preço do dólar estava defasado em torno de 30%, o Banco Central insistia na sua política de minidesvalorizações mensais de 0,7%, acreditando que assim colocaria a moeda norteamericana no preço adequado com o decorrer do tempo. A inflação estava sob controle, mais dois ou três anos e teríamos a moeda ajustada. Só que o mercado não esperou. Como decorrência dessa diferente percepção da realidade, perdemos cerca de US$ 40 bilhões das nossas reservas internacionais, até que no começo de 1999, de maneira tumultuada, tivemos troca de presidência no Banco Central e, finalmente, o câmbio flutuante foi implementado no nosso país. Por pura teimosia deixa mos de liberar o câmbio quando a situação era mais favorável e o Brasil só não quebrou porque tivemos o apoio fundamental do Fundo Monetário Internacional (FMI), com aporte gigantesco de recursos.

Hoje vivemos situação semelhante. Enquanto a percepção geral é de que o dólar está novamente com seu preço desajustado - muito abaixo do que seria seu ponto de equilíbrio, algo como R$ 2,80 ou R$ 2,90 -, o governo insiste em ignorar essa realidade. O ministro Palocci afirma: 'Nós temos um compromisso com o câmbio flutuante. Não acredito que dar um valor ao câmbio seja virtuoso.' E, por conta dessa posição, vamos deixando as coisas como estão. Enquanto isso, outros países abandonam o 'virtuosismo' e, quando necessário, defendem suas moedas e seus interesses.

Por várias vezes no passado o Japão interveio para ajustar o preço do iene, pois se valorizara demais em relação ao dólar. A China mantém a paridade de sua moeda por cerca de dez anos a 8,28 yuans por dólar. A Colômbia adotou no fim de 2004 prazo mínimo para estada de capital estrangeiro no país, pois o 'hot money' estava distorcendo o preço de sua moeda. Mais recentemente, a Argentina fez a mesma coisa, isto é, estabeleceu prazo mínimo de um ano para a estada do capital estrangeiro no país. Quer com isso evitar valorização do seu peso - que hoje se situa ao redor de 2,90 por dólar - e, portanto, proteger seus exportadores. Internamente, aqueles que julgam que o dólar no nível atual criará sérios problemas para o futuro das nossas exportações sugerem alternativas que não são novidades para o governo. Jorge Gerdau recomenda prazo mínimo mais agressivo que o da Argentina para a estada de recursos externos no País. Affonso Celso Pastore sugere imposição de IOF para dinheiro de curto prazo. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, defende, por sua vez, a compra de dólares pelo Banco Central para fortalecimento das reservas internacionais, que estão abaixo de US$ 40 bilhões, quando excluídos os valores devidos ao FMI.

A valorização exagerada do real nos últimos meses se deveu a fatores positivos, que devem ser preservados, e negativos, que devem ser evitados. As exportações continuam a mostrar desempenho excelente, pois, neste ano, já foram contabilizados quase US$ 45 bilhões de vendas no comércio internacional. O investimento estrangeiro direto chegou a US$ 6,5 bilhões nos quatro primeiros meses de 2005, o que também é muito bom. Em contrapartida, devido às altas taxas de juros locais, volume significativo de capital de curto prazo ingressou no País para ganhos puramente financeiros. Enquanto as margens forem favoráveis, o dinheiro ficará por aqui. Entretanto, quando a diferença entre a receita em reais não for vantajosa em relação ao custo em dólar, aí o dinheiro irá embora na mesma velocidade com que entrou.

O fato é que o preço do dólar nos níveis atuais está criando problemas para alguns setores da nossa economia, já em desaceleração. O crescimento no primeiro trimestre foi de apenas 0,3% em relação ao último trimestre de 2004 e só não foi pior graças às exportações, que cresceram 3,5% nesse mesmo período. Notícia recente publicada por este jornal dá conta de que o maior curtume do mundo (Vitapelli) pode fechar as portas por causa do câmbio irreal para quem depende das exportações. Nos primeiros cinco meses de 2005 as vendas do complexo soja recuaram mais de 10% em relação ao mesmo período de 2004, o que está fazendo com que a área plantada do produto esteja diminuindo no País. Calçadistas estão simplesmente parando de exportar, o que ajuda a fazer com que o número de empresas que exportam tenha caído, segundo a Associação de Exportadores do Brasil, de 19.180 em fevereiro de 2005 para 18.921 em março. Como podemos observar, a situação hoje parece confortável. Continuamos exportando volumes expressivos graças a alguns produtos que não foram atingidos, em razão da demanda internacional, do aumento de preços e dos dólares contratados há meses, quando o câmbio era mais favorável. Mas, quando analisamos com mais cuidado, setor por setor da economia, alguns indicadores são preocupantes. E não podemos 'pagar para ver'. O que todos esperam - especialmente os exportadores - é que não venhamos a repetir 1998, quando, por teimosia, quase quebramos nosso país. O dólar como âncora para derrubar a inflação já fez o seu papel e precisamos restabelecer a realidade cambial . O Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) acaba de reduzir sua estimativa de crescimento da nossa economia em 2005 de 3,5% para 2,8% e a situação poderá ser muito pior se as exportações deixarem de contribuir positivamente, como têm feito até agora.?