Título: Lei de falências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A infra-estrutura jurídica da economia brasileira começou a entrar no século 21. Depois de ter sido sancionada no começo de fevereiro, após tramitar durante 11 anos no Congresso, a nova Lei de Falências finalmente está em vigor desde quinta-feira. Concebida para substituir uma legislação editada há 60 anos, quando o País dava os primeiros passos rumo à industrialização, sua maior virtude é promover uma radical mudança de conceito. Voltada para as condições de armazéns de secos e molhados e de pequenas empresas familiares, a lei até agora vigente se limitava a fixar regras para o fechamento de empreendimentos insolventes e critérios para que os credores pudessem ressarcir seus prejuízos. Por isso, à medida que o parque industrial se consolidava e o País expandia o setor de serviços, a velha lei deixava de propiciar soluções satisfatórias para a iniciativa privada, para o sistema financeiro e para o Fisco. Já a nova lei, ao procurar preservar empregos, marcas, equipamentos e direitos dos credores, deixa de se concentrar na solução mais drástica, a falência. Com o objetivo de garantir a sobrevivência de empresas insolventes e evitar o retalhamento de seus ativos, ela acaba com a desmoralizada figura jurídica da concordata e introduz dois mecanismos de recuperação.

O primeiro, de caráter extrajudicial, dá às empresas insolventes condições de negociar suas dívidas com os credores. Já o segundo mecanismo é de natureza judicial e permite a discussão, durante 180 dias, de um plano de recuperação com todos os credores, inclusive os trabalhadores e o Fisco. Só após esse prazo é que, não havendo acordo, os credores poderão impetrar ações de cobrança e a Justiça poderá decretar a falência da empresa.

Nos dois casos, a nova lei prevê condições especiais de pagamento, cisão, incorporação, transformação da sociedade, constituição de subsidiárias, cessão de ações, substituição de executivos, aumento de capital e formação de cooperativas de empregados. Os dois mecanismos incluem a elaboração de um diagnóstico e de apuração do valor do passivo, além da análise da capacidade de geração de caixa. Ao todo, para a homologação do acordo entre credores, são exigidos 14 documentos, como balanços, relatórios gerenciais e certidões e extratos bancários da empresa. É por causa dessas inovações que a nova Lei de Falências depende de duas condições para dar resultados. A primeira é a necessidade de uma nova mentalidade entre devedores e credores. Ou seja, se eles não aprenderem a ceder e se recusarem a arcar com os custos que os planos de recuperação poderão exigir, a falência da empresa será inevitável. A segunda condição é a necessidade de um trabalho menos formalista e mais arejado por parte do sistema judicial.

Na medida em que as negociações envolverão especialistas em finanças, marketing, recursos humanos, design, logística e produção, além de advogados especializados em direito falimentar, os promotores e os juízes não mais se limitarão a interpretar e aplicar regras jurídicas, como ocorria até agora. Eles também terão de ler balanços, entender o que é fluxo de caixa e compreender a complexidade técnica das decisões a serem tomadas. E como o ensino jurídico entre nós ainda está no século 19, com sua tradição romanística e seu apego a uma retórica empolada, mas vazia, a área econômica do governo teve o bom senso de fazer acordos com o Poder Judiciário, para dar aos seus integrantes o conhecimento que eles não possuem em matéria de gestão empresarial.

Fruto do empenho do presidente do Banco Central no governo anterior, Armínio Fraga, e do ministro Antonio Palocci, no atual governo, a modernização da legislação falimentar é uma das mais importantes reformas já realizadas entre nós, no campo da microeconomia. Por dar maior certeza jurídica à iniciativa privada, ela reduzirá o custo das transações, criará um ambiente mais seguro para os negócios e permitirá a redução dos spreads bancários. A importância dessa reforma legal era tão grande para o crescimento sustentado do País que, em 2003, Palocci a incluiu, como contrapartida, nos acordos que firmou com organismos multilaterais. Graças a iniciativas sensatas como essa é que a economia brasileira poderá, mais cedo do que se espera, começar a colher os dividendos do desenvolvimento.