Título: Há espaço fiscal para a desoneração
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Economia, p. B2

O governo adotou, no ano passado, sete medidas destinadas a desonerar, de vários impostos e contribuições, a atividade produtiva. A estimativa do Ministério da Fazenda era de que o "pacote de bondades" resultaria numa perda de receita tributária de R$ 7,58 bilhões. Por causa da desoneração, o governo reduziu sua estimativa para a arrecadação administrada pela Secretaria da Receita Federal (SRF). Ela cairia para 16,1% do Produto Interno Bruto (PIB), como está previsto no Decreto 5.379, de fevereiro, que realizou o corte do Orçamento deste ano. Não foi o que aconteceu. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano, a receita líquida administrada pela Secretaria da Receita Federal ficou R$ 5,76 bilhões acima da previsão para o período, feita em fevereiro. Na avaliação do segundo bimestre, que encaminhou recentemente ao Congresso, o governo informa que já trabalha com a perspectiva de que a arrecadação da SRF este ano chegue a R$ 322,37 bilhões ou 16,34% do PIB previsto para 2005. Esse valor da receita administrada pela SRF é R$ 6,4 bilhões acima da estimativa inicial.

Das sete medidas de desoneração adotadas no ano passado, três foram no âmbito do PIS e da Cofins. O governo estimava perder R$ 4,6 bilhões com esses dois tributos. Os resultados do primeiro quadrimestre deste ano mostram que a arrecadação da Cofins subiu 20,2% em termos nominais, em comparação com o mesmo período de 2004. O governo estimava perder R$ 1,9 bilhão com a alteração do Imposto de Renda sobre as aplicações financeiras. A arrecadação do conjunto do Imposto de Renda, no entanto, bateu recorde no primeiro quadrimestre deste ano e ficou R$ 3,58 bilhões acima do projetado no decreto de contingenciamento.

A principal razão alegada pelo governo para fazer o corte de R$ 15,9 bilhões nas despesas do Orçamento foi que o Congresso exagerou em sua estimativa de receita para este ano. A lei orçamentária prevê que a arrecadação administrada pela SRF ficará em R$ 323,16 bilhões. O decreto reduziu esta estimativa para R$ 315,97 bilhões - R$ 7,19 bilhões a menos. Agora, na avaliação do segundo bimestre, o governo refez os seus cálculos e já acredita que a arrecadação da SRF chegará a R$ R$ 322,37 bilhões - apenas R$ 784,4 milhões a menos do que a previsão da lei orçamentária.

A receita administrada pela SRF poderá ficar bem acima da estimativa que consta da avaliação do segundo bimestre. Isto porque o governo simplesmente incorporou, à sua projeção para 2005, o aumento de receita que efetivamente ocorreu no primeiro quadrimestre. Ou seja, o governo adotou uma atitude conservadora e não elevou as suas estimativas para o segundo e o terceiro quadrimestre. As consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado acreditam que a arrecadação administrada pela SRF poderá chegar a 16,75% do PIB, caso ingressem receitas atípicas em volume considerável, como está previsto na lei orçamentária.

Mesmo que a receita administrada pela SRF fique nos R$ 322,37 bilhões estimados pelo governo, o resultado vai se igualar ao recorde obtido em 2002, quando ela ficou em 16,34% do PIB. Isto significa que a arrecadação prevista para este ano está 0,34% do PIB acima do limite de 16% do PIB para a receita administrada pela SRF estipulado pelo governo no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006. Esse 0,34% do PIB corresponde a cerca de R$ 6,7 bilhões. Este valor equivale quase que exatamente ao aumento na previsão do governo para este ano na receita da SRF.

Há meses o governo discute a chamada "MP do Bem", que vai desonerar do PIS e da Cofins os investimentos nos setores voltados para a exportação. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, calcula que o governo vai perder cerca de R$ 1,5 bilhão com a desoneração. O comportamento da arrecadação no início deste ano mostra que há espaço para que Palocci seja mais ousado. Afinal, se perder R$ 1,5 bilhão, o governo ainda ficará com um aumento de quase R$ 5 bilhões em sua previsão inicial de receita.

Existem duas explicações possíveis para a timidez do Ministério da Fazenda. A primeira delas pode estar relacionada com o julgamento da Lei 9.718/98 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esta lei ampliou a base de cálculo da Cofins, que passou do faturamento para todas as receitas das empresas. Cinco, dos 11 ministros do STF, já se manifestaram pela inconstitucionalidade da lei. Em caso de vitória das empresas, a perda pode ficar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões, segundo estimativas extra-oficiais.

A outra explicação possível é que o governo deseja utilizar a maior parte do aumento da arrecadação deste ano para ampliar o superávit primário. Desde que o Brasil assinou o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1998, o superávit primário sobe de um ano para outro. Este ano seria a primeira vez que ele cairia, dos 4,6% do PIB em 2004 para 4,25% do PIB - podendo chegar a 4,1% do PIB por causa da exclusão dos investimentos de R$ 2,8 bilhões do Projeto Piloto. Pode ser que o governo já esteja trabalhando com a perspectiva de manter o superávit primário no mesmo nível do ano passado.