Título: Ainda há tempo para mudanças?
Autor: Marco Antonio Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Economia, p. B2

Desse balaio de caranguejos com que a vida política nacional reabre a semana pode sair alguma coisa que preste? Talvez já tenha saído, independentemente do que o ínclito deputado que preside o PTB espalhe sobre as cabeças dos seus pares nos prometidos depoimentos de amanhã e depois de amanhã.

Uma das coisas positivas que a semana passada nos revelou é que a economia brasileira, melhor dizendo, o mundo dos negócios em geral, está menos vulnerável do que se pensava a abalos provenientes do mundo político. As flutuações para cima e para baixo da bolsa, do câmbio e dos juros futuros não ultrapassaram os limites do que já se registrara em outras ocasiões, em que não havia nenhuma crise política. Digamos, para resumir, que "o mercado"reagiu com serenidade. Houve até um certo aumento das reservas líquidas internacionais do Brasil e nada que atrapalhasse a viagem do ministro Palocci para Londres, a fim de participar da reunião do G-8. Pelo menos no curto prazo nada afetou nem modificou a política econômica em curso.

E, se esta for preservada dos embates que tumultuam o mundo político, o País poderá retomar o curso de crescimento sustentável que vinha experimentando desde o segundo semestre do ano passado. Os dados básicos estão aí à vista de todos. O superávit primário acumulado neste ano é da ordem de 7,2% do PIB e nos 12 meses encerrados em abril ultrapassou os 5% do PIB, para uma meta consignada de 4,25% do PIB. Ou seja, há margem para que o governo, a partir do segundo semestre, possa aumentar, de maneira criteriosa, os investimentos públicos.

Nas contas externas, os dados continuam surpreendendo. Apesar da apreciação cambial, o Brasil colhe seguidos saldos comerciais favoráveis e o superávit em transações correntes tem sido tranqüilizador a ponto de estimular a entrada de investimentos diretos estrangeiros, cujo saldo, nos 12 meses encerrados em abril, foi o dobro daquele observado no período de 12 meses até abril de 2004.

E como os indicadores de inflação estão melhorando, o Copom poderá começar a aliviar a política monetária, não na reunião desta semana, mas talvez a partir da próxima, no mês que vem, o que certamente contribuiria para uma retomada do ritmo de atividades no segundo semestre do ano.

Outra coisa positiva, de natureza mais sutil, é a que resulta do fato de mais um grande corrupto-corruptor e seu séquito de "auxiliares" de primeiro e segundo escalões terem sido expostos. Aos poucos, num processo lento, mas contínuo, a imprensa e a opinião pública brasileira têm cercado e acuado os facínoras herdados de um passado político viciado, contribuindo, desse modo, para sanear velhos e intoleráveis costumes. É evidente que cada escândalo que estoura, como esse dos Correios, com seu penduricalho, o "mensalão", torna mais difícil e arriscada a atividade dos corruptos de dentro do setor público que ainda não foram descobertos. Torna também mais difícil e arriscada a atividade daqueles que pretendem recorrer aos primeiros para obter contratos de fornecimento de obras, serviços e produtos. Torna ainda mais aguçada a atenção de funcionários honestos e dedicados, que não compactuam com a corrupção, mas sabem quem compactua. Enfim, fortalece-se em cada novo episódio o ambiente favorável ao saneamento e aqueles que têm algo a denunciar se sentem cada vez mais estimulados a vir a público.

Finalmente, não podemos deixar de pensar no processo de saneamento que esses escândalos todos devem estar produzindo dentro do próprio Partido dos Trabalhadores (PT). Impossível que a grande massa de militantes desse partido, gente honesta e de boa-fé, esteja achando, nesta altura, que tudo não passe de "armação" dos inimigos do partido e que os altos dirigentes não devam explicações muito claras sobre as trapalhadas promovidas por tesoureiros e secretários. Afinal, trata-se de funcionários burocráticos do partido, empregados da legenda, sem nenhuma qualificação ou mandato para entabular, em nome do partido, negociações políticas com outras legendas, mesmo que estivessem agindo com toda a lisura moral. Quem os autorizou? Com ordem de quem assumem o papel que deveria estar sendo exercido diretamente pelos parlamentares eleitos do partido? O eleitorado do PT atribuiu algum mandato ou alguma missão política a esse senhor Delúbio Soares ou a esse senhor Silvio Pereira? O que é que eles têm para "negociar" em nome do partido?

Nada disso foi explicado pelo senhor José Genoino à imprensa na entrevista coletiva que ele próprio convocou para que o tesoureiro pudesse dizer simplesmente: "Quem, eu? Não fiz nada disso que estão dizendo... não ofereci grana para ninguém, sou um homem honesto...", etc., etc., etc. Então, não devia nem estar se reunindo com políticos de outras legendas.

Mas o impacto que os acontecimentos políticos possam ter na condução da política econômica será mais bem aquilatado à luz da decisão que o Copom vier a tomar nesta semana. Além disso, a ata da reunião, a ser divulgada na próxima semana, nos dará uma idéia mais completa de como as autoridades monetárias foram afetadas ou influenciadas pela confusão que o governo conseguiu armar no terreno político - sem nenhuma ajuda da oposição, diga-se de passagem. E, como se não bastasse isso, em meio à crise, o senhor José Dirceu ainda teve a canhestra idéia de mais uma vez jogar piche na política econômica do seu parceiro Palocci, declarando, lá de Lisboa, que um país não pode ficar sendo dirigido pela taxa de juros e pelo superávit primário.

Bem, o que se pode dizer a respeito é que esses são os únicos instrumentos que restam para orientar o País, quando este é dirigido por um governo que não tem mais nenhuma proposta ou projeto para apresentar. Aliás, a administração criteriosa da política monetária e das contas fiscais não é mesmo projeto de vida ou de futuro para nenhuma nação. Apenas é a premissa básica para que qualquer projeto de desenvolvimento seja apresentado e executado - mas isso se houver um governo capaz de formular tal projeto.

Talvez já esteja mais do que na hora de o presidente Lula se convencer - se é que já percebeu - de que a pedra no caminho do seu governo responde pelo nome de José Dirceu. Não há, até agora, notícia de nenhuma ação bem-sucedida deste governo que possa ter a assinatura do chefe da Casa Civil. No reverso da medalha podem ser listadas diversas trapalhadas e fracassos para os quais os esforços desse notável articulador foram imprescindíveis.

Bem, talvez um último e importante efeito da crise política tenha sido o de tirar o presidente do estado de autocontemplação inefável em que ele parecia mergulhado. Houve sinais nesse sentido no final da semana. E este é, sem dúvida, o melhor momento para mudanças necessárias na equipe de governo. Daqui para a frente o tempo será cada vez mais exíguo.