Título: Palocci e Lavagna tentam acerto
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Economia, p. B5

A uma semana da reunião de cúpula de presidentes do Mercosul, que será realizada em Assunção, os governos do Brasil e da Argentina tentam hoje, mais uma vez, chegar a uma posição de consenso sobre a aplicação de medidas que impeçam as denominadas "assimetrias comerciais" do bloco do Cone Sul. As assimetrias transformaram-se no último ano e meio na principal pedra no sapato do Mercosul. A forma de remover esta pedra será debatida pelos ministros da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, e da Fazenda do Brasil, Antonio Palocci. A idéia é tentar resolver esta espinhosa questão antes da cúpula do Mercosul. Na cúpula anterior, em dezembro, em Ouro Preto (MG), os dois lados não chegaram a acordo algum. Os dois ministros se reunirão hoje às 10h. Depois, Palocci almoçará com Lavagna. À tarde, se reunirão com o ministro das Finanças da Venezuela, Nelson Merentes, para uma reunião tripartite.

O dia começará com elevado grau de tensão, já que Lavagna exige, desde dezembro, que o Brasil aceite a aplicação de um mecanismo que evite eventuais assimetrias ou desequilíbrios comerciais.

A estrela dos mecanismos idealizados por Lavagna é a aplicação de salvaguardas comerciais, medida que irrita o governo Lula, já que fere o espírito de livre comércio do Mercosul. Além disso, a proposta argentina é considerada indigesta em Brasília, já que a idéia de Lavagna é que as salvaguardas possam ser aplicadas de forma unilateral.

O pacote apresentado por Lavagna há quase dez meses foi discutido em diversas ocasiões pelos dois governos. No entanto, até o momento, segundo disse recentemente o chanceler Rafael Bielsa, "o Brasil não apresentou uma resposta satisfatória".

Lavagna também exige que o Mercosul conte com um mecanismo que impeça que os investimentos se concentrem primordialmente num único sócio do Mercosul. Isso ficou mais evidente no caso dos investimentos realizados pelas multinacionais no setor automotivo, que ao longo da última meia década tiveram especial preferência pelo Brasil.

Na agenda dos dois ministros também estaria o pedido argentino para adiar, mais uma vez, o livre comércio automotivo dentro do Mercosul, previsto atualmente para começar em janeiro de 2006.

Além disso, Palocci e Lavagna discutirão a sucessão na presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A idéia é que os dois países apóiem o mesmo candidato, de forma a evitar as rusgas que ocorreram nos últimos meses na definição dos candidatos à presidência da Organização Mundial do Comércio (OMC).

CANDIDATO

Os próximos meses prometem novos conflitos entre o Brasil e a Argentina. Se a exigência argentina de criação de um mecanismo de salvaguardas não for atendida, os pedidos protecionistas por parte dos industriais locais continuarão em alta.

Segundo analistas, o presidente Kirchner deverá utilizar o Brasil como um dos bodes expiatórios (os outros serão o FMI e as empresas privatizadas de serviços públicos) dos problemas argentinos para conseguir mais votos nas decisivas eleições parlamentares de outubro. Essas eleições definirão o mapa do poder para os próximos dois anos na Argentina. Se a proporção de votos para o governo for avassaladora, Kirchner poderá aspirar à reeleição presidencial em 2007.

O discurso duro contra organismos financeiros e empresas internacionais - além dos dirigidos contra o Brasil - costumam ter repercussão positiva nos setores mais nacionalistas do eleitorado, entre eles os operários das empresas atingidas pela concorrência brasileira. Para complicar, o chanceler Rafael Bielsa, que lidera a saraivada de críticas contra o Brasil, informou que será o candidato de Kirchner nas eleições parlamentares, encabeçando a lista de deputados da cidade de Buenos Aires.