Título: Economia freia, mas salário acelera
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/06/2005, Economia, p. B8

Os salários continuam ganhando a corrida contra a inflação, apesar da desaceleração da atividade econômica nesse início de ano. Duas pesquisas que acabam de ser concluídas - pela consultoria Deloitte e pela Força Sindical - confirmam essa tendência. A Deloitte ouviu 127 empresas e constatou que 89% concederam reajustes iguais ou superiores à inflação medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulada em 12 meses até a data-base de cada categoria. Há um ano, essa proporção era de 79%. Foi o melhor resultado para os trabalhadores desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1999. A sondagem mediu os reajustes concedidos pelas empresas nos últimos 12 meses até maio.

A pesquisa da consultoria aponta expansão do grupo de empresas que concedeu aumento real de salário - de 17% em 2004 para 36% agora. E diminuiu, de 21% para 8%, a parcela das que concederam reajuste abaixo da inflação.

"Os reajustes mais favoráveis aos trabalhadores refletem o bom desempenho da economia ao longo de 2004", afirma Fábio Nelson Mandarano, gerente de Consultoria de Capital Humano da Deloitte.

Com o nível de atividade mais contido, Mandarano acha que as negociações tendem a ser mais difíceis a partir de agora. A pesquisa mostra um cenário ainda positivo. Para os próximos reajustes, 34% das empresas pretendem conceder recomposição integral da inflação. A maioria (52%) respondeu que vai corrigir os salários de acordo com a convenção coletiva ou por meio de negociação com o sindicato patronal.

"O aumento contínuo dos juros desde setembro esfriou a economia, mas acredito que vamos retomar o ritmo de crescimento no segundo semestre", afirma Luiz Marinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Tanto é que a orientação da central para categorias com data-base nos próximos meses é o de buscar ganhos reais de salários.

Na avaliação do sindicalista, a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), prevista para terça e quarta-feira, não dará continuidade à política de alta do juro básico. "A taxa deverá ser mantida por uns dois meses antes de se iniciar o processo de redução", afirma o presidente da CUT.

SURPRESA

Na Força Sindical, um levantamento preliminar dos resultados das campanhas salariais ocorridas no Estado de São Paulo, entre março e maio, revelou que apenas quatro de um total de 20 entidades consultadas não conseguiram repor as perdas com a inflação. Entre elas estão o setor de bebidas e transporte de cargas. Todas as demais obtiveram aumentos reais de salários.

"Foi um resultado surpreendente", diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical. "Sinceramente, eu estava pessimista", explica.

Os ganhos foram maiores nas fábricas de óleo e azeite da capital paulista. A categoria, formada por 7 mil trabalhadores, teve aumento real de 3,18%, além da reposição integral das perdas inflacionárias (6,61%), totalizando reajuste de 10% a partir de maio.

"Esse dinheiro vem em boa hora", diz o operário Antônio Francisco da Silva, de 48 anos, que há 13 trabalha na Vida Alimentos, fabricante do óleo Maria. "Tanto que eu já pedi minhas férias para o mês que vem, para pegar todas as verbas já com aumento", acrescenta. Silva, que passou a ganhar em torno de R$ 1,1 mil, vai permanecer em São Paulo. Com o dinheiro extra das férias, ele pretende fazer um poupança para custear um curso de enfermagem para sua única filha, Juliane, de 16 anos, que deve concluir o ensino médio este ano.

Para conseguir aumento real, algumas categorias recorreram à greve. Foi o caso dos 220 mil operários da construção civil de São Paulo, que cruzaram os braços durante 8 dias e conquistaram um reajuste de 8,12%, o que representa aumento real de 1,42% acima da inflação - o primeiro desde 1993. "Só chegamos a esse índice graças ao remédio amargo da greve. Antes da greve, os empresários não ofereciam mais do que 5,9%", diz Antônio Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo.

A pesquisa da Deloitte mostra que 52% das empresas adotaram reajuste de forma linear, 34% de forma parcelada e 9% concederam reajuste de forma escalonada. Nesses casos, a reposição integral da inflação ou aumento real foram mantidos para os salários mais baixos.