Título: Ninguém vê razões para elevar juro
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Economia, p. B1

Desta vez, mais que surpresa, será quase um choque se o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não interromper o ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, na reunião mensal que começou ontem e termina hoje. "Por mais conservadorismo que se tenha, não consigo ver nenhum pretexto suficientemente forte para justificar mais uma alta dos juros", diz Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências e ex-presidente do BC Loyola lista os motivos que indicam uma interrupção na trajetória de alta da Selic, iniciada em setembro, quando estava em 16% ao ano, que prosseguiu até a última reunião, em maio, quando foi elevada de 19,5% para 19,75%. O economista observa que estão em queda a inflação corrente, os seus núcleos e as expectativas inflacionárias tanto para o ano de 2005 quanto a para os próximos 12 meses.

O professor Márcio Garcia, do Departamento de Economia da PUC-Rio, nota que "o nível fraco da atividade econômica indica que a inflação vai cair". A projeção média para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2005 é de 3,12%, uma queda em relação aos 3,50% de quatro semanas atrás.

Segundo Garcia, já há previsões para o IPCA de junho abaixo de 0,30%, o que é um nível muito confortável para o BC, e os IGPs (índices com considerável peso dos preços no atacado) negativos que têm sido divulgados mostram que "finalmente a valorização cambial está aparecendo nos índices de preços". A previsão média das instituições financeiras e consultorias que reportam ao BC para o IPCA de junho é, no momento, de 0,33%, tendo recuado de 0,40%, registrado há quatro semanas.

Alexandre Pavan Póvoa, diretor da Modal Asset Management, gestora de recursos baseada no Rio, nota que a safra recente de índices de inflação desmontou a justificativa que o BC, presidido por Henrique Meirelles, apresentou nas últimas atas do Copom para prosseguir no ciclo da altas da Selic. Essa razão seria a ameaça de que a alta inflação corrente contaminasse as expectativas de médio e longo prazos e pusesse em risco a convergência para o centro da meta, de 4,5%. Agora, com a queda do IPCA e outros IPCs (índices de preços ao consumidor), aquele fator deixa de existir. Póvoa acrescenta que, "pela primeira vez (em muitos meses), as expectativas de inflação caíram entre uma reunião do Copom e a próxima".

INÍCIO DAS REDUÇÕES

Apesar do otimismo em relação ao fim do ciclo de alta dos juros básicos, quase ninguém no mercado financeiro e nas consultorias cogita da possibilidade de o BC já iniciar um movimento de queda da Selic na reunião que termina hoje.

Uma visão razoavelmente otimista é a do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, que prevê que a Selic estará em 17,5% no fim de 2005 - isto é, sofrerá uma redução de 2,25 pontos porcentuais até o fim do ano. Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, não descarta nem mesmo que a redução da Selic comece já em agosto - caso o melhor cenário se materialize -, embora frise que a projeção do banco para o fim do ano não estipule nenhum cronograma específico de cortes nos próximos meses.

"Os resultados do trabalho do BC começam a ser observados e há um processo inequívoco de desinflação", diz Barros. Ele acrescenta que o Bradesco prevê um IPCA em junho "mais para 0,30% do que para 0,35%" e um cenário dos núcleos inflacionários nos próximos meses dentro da trajetória das metas de inflação. Por causa da sua projeção de um forte movimento de queda da Selic no segundo semestre, o Bradesco prevê que, após um crescimento de 3% em 2005, o PIB possa ter uma expansão em 2006 que se aproxime da verificada em 2004 (4,9%).

"Trabalho com um cenário de taxa de juro real média em 2006 de 4 a 5 pontos porcentuais abaixo da média de 2005; a recuperação da economia não foi interrompida nem está ameaçada", diz Barros.