Título: Debate na Casa Civil ataca juro alto
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Economia, p. B3

A Casa Civil promoveu, há duas semanas, um seminário para debater a política econômica que teve como ponto central duras críticas à alta taxa de juros fixada pelo Banco Central (BC). O convidado para fazer uma exposição para cerca de 100 funcionários do Palácio do Planalto foi o economista Amir Khair, ex-secretário de Fazenda da prefeitura de São Paulo na gestão Luiza Erundina e nome bem cotado dentro do PT. Na palestra "Novos fundamentos e velhos problemas", o economista utilizou gráficos e tabelas para mostrar a "ineficácia da política monetária". Segundo ele, a alta dos juros não tem o efeito esperado pelo BC para contrair o crédito destinado ao consumo. Em contrapartida, é a maior responsável pela retração nos investimentos produtivos que deveriam, justamente, aumentar a oferta de bens e serviços na economia, evitando pressões inflacionárias.

"A maior prova disso é que os investimentos caíram 3% no primeiro trimestre deste ano e, isso, depois de terem caído 4% no trimestre anterior. O consumo das famílias, no mesmo período, diminuiu 0,6%", ressalta Khair, destacando que não é o único economista a criticar a atuação do BC.

"Críticas dentro e fora do governo já existem há algum tempo. Tenho apenas fundamentado e defendido minhas análises porque acho uma pena, o Brasil já podia estar crescendo de forma mais saudável", diz. Para ele, o que segurou a inflação nos últimos anos não foi a política monetária mas a concorrência dos produtos brasileiros no mercado internacional e as importações. "O produto importando acaba funcionando como um seguro contra inflação".

No seminário, que contou com a presença de cerca de 100 funcionários do Palácio do Planalto, Khair apresentou um ranking da taxa de juros real, deflacionada pelo índice de preços ao consumidor, onde o Brasil ocupa a primeira posição. Antes da última elevação de 0,25 ponto porcentual promovida no mês passado, quando a taxa de juros nominal era de 19,5%, os juros reais já eram os mais altos entre 23 países pesquisados. Na média, a taxa real de juros nas economias emergentes é de 1,5% ao ano, enquanto isso, no Brasil ela estava em 12,3%. O segundo lugar fica com a Turquia, com 9% ao ano, e o terceiro, com o México, com 5,1% ao ano.

As argumentações de Khair são utilizadas pelos defensores da tese de que o BC errou na mão ao elevar os juros por nove meses consecutivos para reforçar seus argumentos de que a taxa Selic já poderia estar em queda. Nos últimos meses, os críticos da atuação do BC têm reforçado a carga de fogo amigo nos bastidores do governo e a estratégia foi justamente respaldar suas argumentações com avaliações de economistas com credibilidade no governo.

O ministro José Dirceu, que pode deixar o cargo pelo envolvimento nas denúncias de compra de deputados para integrar a base governista, sempre foi tido dentro do governo como uma das vozes contrárias à política defendida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Se sair do governo, os críticos do BC perdem um aliado importante mas ainda poderão contar com o apoio de muitos aliados dentro do Palácio do Planalto, no Congresso, e no próprio Ministério da Fazenda. Por isso, mesmo que o BC suspenda hoje o processo de alta dos juros, como espera boa parte do mercado financeiro, não há garantia de que o fogo amigo será interrompido.

A palestra de Khair já foi apresentada também aos técnicos da Fazenda.

A convite do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, Khair foi um dos debatedores no seminário para comemorar os cinco anos da Lei de Responsabilidade Fiscal, no início de maio. Na ocasião, o economista mostrou também os estragos que os juros altos na dívida pública. Na época, as conclusões do economista, de que o País ganharia mais tanto do lado fiscal quanto no controle da inflação se reduzisse a Selic e aliviasse a pressão nas contas públicas, deixaram um certo ar de satisfação nos corredores do ministério. "Alguém tem que falar", ironizou um técnico do governo à época, completando que, como não existe uma verdade única, as opiniões divergentes ajudam a enriquecer o debate econômico.