Título: De pato a ganso, pouco avanço
Autor: Luiz Weis
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

Faz uma semana que o presidente Lula teve a desavisada idéia de incumbir o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de preparar em 45 dias um projeto de reforma política ¿ segundo uma versão, ele não sabia que esse projeto existe, foi aprovado por uma comissão especial da Câmara e está parado desde o fim do ano passado na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, por falta de acordo entre os partidos. Dois dias depois, alertado por um líder da base aliada de que a iniciativa pegara mal entre os políticos, que acusaram o presidente de se intrometer no Legislativo, ainda mais para desviar as atenções da crise, como parecia, ele deu o dito pelo não dito, embora o Planalto tenha continuado a emitir sinais de que gostaria de romper os impasses que engessam a tramitação da matéria. A essa altura, porém, nas frestas do noticiário sobre as manobras do governo para ficar com o controle da CPI dos Correios e os exercícios canoros do deputado Roberto Jefferson ¿ que ontem soltou a voz no palco da Câmara com o histrionismo esperado ¿ a imprensa sacudiu da hibernação o debate sobre a necessidade, a oportunidade e o eventual alcance da mudança nas regras do jogo político-eleitoral.

O ressurgimento do assunto na mídia só serviu para mostrar que, nesse terreno, entra ano, sai ano, mas de pato a ganso, pouco avanço. O desentendimento é geral. Acadêmicos, políticos, colunistas, juristas e curiosos, nenhum deles se mostrando em condições de sacar argumentos novos a favor ou contra a reforma, divergem em relação a tudo o que nela é possível divergir, a começar do momento.

Reforma política só sai a quente, em situações de crise, dizem uns. Em situações de crise é que não sai mesmo, retrucam outros ¿ e se sair, tanto pior, porque nascerá torta, contaminada pela queda-de-braço entre governo e oposição. Sem reforma política, sustentam os seus partidários da primeira hora, a corrupção continuará a deitar e rolar no Executivo, no Legislativo e no relacionamento entre ambos.

Já os que têm urticária basta que se deparem com qualquer coisa que lembre reengenharia institucional, como seria o caso, e se esfalfam para demonstrar que há meios moralizadores menos complexos e mais eficazes. Ou, raciocinam outros ainda, alguma reforma poderia ser bem-vinda para dar mais poder ao voto, aumentando a representatividade do sistema, e mais força aos partidos, que são a sua espinha dorsal ¿ mas não como antídoto à bandalheira.

Longe deste texto querer arrastar o relutante leitor aos labirintos das divergências sobre o financiamento público das campanhas, a imposição da fidelidade partidária, a adoção do voto em listas partidárias fechadas e a instituição da cláusula de barreira ¿ prevista para entrar em vigor no ano que vem ¿, pela qual as siglas que não conseguirem 5% dos votos para a Câmara deixarão de ter acesso à TV e às suas cotas do Fundo Partidário.

Ainda assim, não dá para ignorar duas questões. Uma é o financiamento das campanhas. O problema central não é quem as paga, mas quanto custam. Governos recorrem à oferta de cargos e verbas orçamentárias ¿ ou, para ter os seus projetos aprovados, podem transformar deputados em mensalistas, como Jefferson tornou ontem a insistir, sem achar nada de mais em receber dinheiro para campanha dos mesmos pagadores das mesadas.

Já políticos e partidos armam ¿maquininhas¿, esquemas de cobrança de propinas na administração direta e nas estatais, para que o seus caixas 2 dêem conta dos custos astronômicos da caça ao eleitor, cujo item singular mais oneroso é o da propaganda na TV. Do dinheiro extorquido aos que transacionam com o Estado, os políticos velhacos se apropriam de uma parte da arrecadação. Os outros, éticos, canalizam tudo para o partido.

Ainda senador, Mário Covas foi ridicularizado quando propôs banir do horário eleitoral as extravagâncias cinematográficas. Por ele, os candidatos falariam ao povo praticamente como vieram ao mundo da política: num estúdio despojado, sem os recursos de efeitos especiais, tomadas externas, entrevistas de rua e outros estalos de marquetagem.

Poderia ser chato, mas quem disse que a disputa pelo voto precisa ser um confronto de superproduções hollywoodianas? De qualquer forma, a idéia foi abatida pelos muitos que ganham muitíssimo para tornar os candidatos confiáveis e as suas promessas, críveis. Não se vê como o financiamento público, quem sabe tão sujeito a burlas como o atual sistema, barateará a operação eleitoral.

A segunda questão é a da fidelidade partidária. Dizem que isso será irrelevante, se a distribuição das cadeiras pelos partidos nas comissões do Congresso obedecer ao resultado das urnas, e não à engorda ou ao definhamento das bancadas, promovidos pelo governo. (Embora permaneça o fato de que este sempre tentará construir a sua maioria, do jeito que der.)

Mas é do ângulo da tentativa de salvar o que resta da imagem dos políticos e da legitimidade das ações políticas perante a opinião pública que a fidelidade se impõe. Para a grande maioria dos brasileiros, provavelmente, o troca-troca de legendas (o termo já diz tudo) é a prova acabada da venalidade dos políticos e da degradação da política ¿ o que os microfones da TV Câmara captaram ontem à farta.

Na atual legislatura, quase sempre sob o patrocínio do governo, 133 deputados do total de 513 se bandearam de uma agremiação para outra, no mínimo, uma vez (as trocas, ao todo, somam 204). Entre janeiro e fevereiro deste ano, por exemplo, dois deputados mudavam de sigla a cada dia, em média. Proíba-se isso, se não para vertebrar o Legislativo ou para vitaminar o sistema partidário, pelo menos em respeito ao povo.