Título: Negociar com a China
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Notas & Informações, p. A3

O governo brasileiro deverá levar em conta, se quiser conter uma invasão de produtos chineses, o acordo celebrado na semana passada entre a União Européia (UE) e a China. Ficou acertado que os chineses deverão limitar suas exportações de têxteis para o bloco europeu durante três anos. Essas exportações poderão crescer 10% ao ano, até a completa liberalização do mercado, em 2008. A busca de um entendimento semelhante parece, neste momento, o caminho mais promissor para o governo e para os empresários brasileiros.

O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, não se contentou com a obtenção do acordo. Aproveitou a ocasião para fazer uma crítica indireta aos EUA, que já adotaram, de forma unilateral, salvaguardas contra têxteis produzidos na China.

Segundo Mandelson, Bruxelas e Pequim ¿deram uma lição¿ aos que preferem o confronto. O ministro do Comércio da China, Bo Xilai, elogiou a decisão européia de evitar ações unilaterais e buscar a solução do problema ¿de forma adequada e amistosa, mediante consultas¿. O recado de Bo Xilai certamente vale não só para os EUA, mas para todos os demais parceiros incomodados com o rápido crescimento das exportações chinesas, em especial as de têxteis.

Antes do acordo com os europeus, representantes da China haviam acenado com a ameaça de represálias comerciais, no caso de adoção de barreiras pelo governo brasileiro. Mesmo depois disso, a regulamentação de salvaguardas continuou em estudo no Ministério do Desenvolvimento.

O estudo não implica imposição de medidas protetoras: apenas torna legalmente disponível o mecanismo necessário. O governo brasileiro agiu corretamente ao prosseguir na regulamentação das salvaguardas. Não poderia abandonar esse trabalho por causa da ameaça de retaliação. Os europeus, antes de iniciar conversações com os chineses, haviam começado, oficialmente, a investigar a expansão de importações de nove categorias de produtos fabricados na China.

Também o governo brasileiro deve examinar a evolução das importações provenientes da China e avaliar os danos alegados pela indústria nacional. À primeira vista, não há dúvida sobre o caráter danoso do surto das exportações chinesas para o Brasil, o que seria suficiente para justificar salvaguardas. Mas, se houver uma possibilidade de um acordo razoável com a China, valerá a pena propor uma solução negociada.

Estarão os chineses, no entanto, dispostos a negociar com o Brasil como negociaram com a União Européia? A resposta não é evidente e só será encontrada na prática. O governo de Pequim costuma ser pragmático em assuntos comerciais, agindo de acordo com o que julga ser o interesse econômico de seu país. Não entram na definição desse interesse considerações a respeito da solidariedade Sul-Sul, nem de qualquer missão coletiva de reforma da geografia econômica mundial. Mesmo no G-20, que negocia os temas da agricultura na OMC, a China tem mostrado que seus interesses podem não coincidir com os de outros países, incluído o Brasil.

O caminho da negociação é preferível, em princípio, e o governo brasileiro já indicou, há semanas, que poderá segui-lo para resolver as diferenças comerciais com a China. Mas, convém ressaltar, embora pareça óbvio, que a função das autoridades brasileiras será respaldar os setores prejudicados pelo surto de importações chinesas. Será preciso não esquecer que não se trata de um caso normal de concorrência, uma vez que nem se conhece direito o processo de formação de preços das indústrias chinesas. O mínimo que se deve esperar é que, nessas negociações, o governo brasileiro não se omita, deixando os empresários entender-se por sua conta com os chineses.

Essa omissão foi exatamente o que ocorreu, no último ano e meio, sempre que o governo argentino, pressionado por empresários, ameaçou impor barreiras contra produtos brasileiros. Nessas ocasiões, Brasília preferiu sacrificar os produtores nacionais em nome de uma fantasia de liderança de um grande movimento sul-americano. Espera-se que nenhuma fantasia possa atrapalhar a solução dos problemas com a China.