Título: Caso Poblete foi pivô da decisão judicial
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Internacional, p. A16

A decisão da Corte Suprema de Justiça, que declarou inconstitucionais as leis do perdão aos militares, teve como pivô o chamado caso Poblete, um exemplo dos horrores da ditadura argentina. O protagonista do caso foi o repressor Julio Héctor Simón, conhecido como Turco Julián. Em 1978, ele seqüestrou o casal Marta Gertrudis Hlaczik, cidadã argentina, e o chileno José Liborio Poblete. O chileno, de 23 anos, havia sofrido um acidente de trem em Santiago, que provocou a amputação de suas pernas. Inválido, dirigiu-se a Buenos Aires no início dos anos 70 para um longo período de fisioterapia. Ali, envolveu-se com política e criou o Movimento de Inválidos Peronistas, que lutava pela promoção social de pessoas com deficiências físicas. Durante os anos de militância, conheceu Gertrudis, estudante de psicologia, com quem se casaria.

Em 1976, com o golpe militar, o casal passou para a clandestinidade. Em novembro de 1978, um grupo de militares e policiais seqüestrou o casal e a filha de 8 meses, Claudia Poblete. Eles foram levados para o centro de torturas El Olimpo. Ali, Poblete foi retirado da cadeira de rodas e forçado a se arrastar pelo chão, enquanto sua mulher era estuprada em sua frente. Os oficiais, entre gargalhadas, o chamavam de cortito (curtinho).

Poucas semanas depois, após terríveis torturas, o casal foi assassinado.

Claudia Poblete, a menina de 8 meses, foi entregue a uma família de militares, que falsificou sua identidade. Duas décadas depois, ela descobriu que era filha de vítima da ditadura e reencontrou parentes biológicos. Imediatamente, iniciou uma batalha na Justiça para pôr na cadeia os seqüestradores, torturadores e assassinos dos pais.

Turco Julián foi preso em 2001 acusado do seqüestro de crianças. Com o fim da lei do perdão, poderá ser processado também por detenção ilegal, tortura e assassinato dos pais de Claudia.

O presidente Néstor Kirchner mostrou-se satisfeito com a decisão da corte. Disse que ela devolve a fé na Justiça, já que põe todos perante a lei. "Só assim a sociedade pode ser mais forte, quando há Justiça e não há impunidade", disse Kirchner. O Ministro da Defesa, José Pampuro, admitiu a existência de "certo mal-estar entre alguns militares".

Nas sedes das organizações de defesa dos direitos humanos o clima era de júbilo. As Avós da Praça de Mayo, que ainda procuram 420 netos desaparecidos, choravam de emoção.

Segundo a líder das Avós, Estela de Carlotto, as leis obrigaram a sociedade a conviver durante anos com "ladrões e assassinos que deveriam ter sido condenados".

Nora Corti¿as, uma das líderes da organização das Mães da Praça de Maio, explicou que os organismos de defesa dos direitos humanos não estão atrás de vingança, mas de justiça.

Julio Strassera, o promotor dos julgamentos de 1985, adiantou que os processos contra os envolvidos em torturas, seqüestros e assassinatos não serão fáceis. "Depois de tantos anos, muitas provas podem ter se diluído", alertou.