Título: Cai anistia a militares na Argentina
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2005, Internacional, p. A16

A Corte Suprema de Justiça da Argentina encerrou ontem 19 anos de congelamento dos processos de militares envolvidos em graves violações dos direitos humanos na última ditadura (1976-83). Dos nove juízes do tribunal, sete votaram a favor da declaração de inconstitucionalidade das Leis do Perdão. Esse foi o nome dado às duas leis que nos anos 80 livraram de julgamento milhares de ex-repressores, acusados de assassinatos, torturas, estupros, saques à propriedade privada e seqüestros de crianças. Na época, durante o governo de Raúl Alfonsín, a legislação foi aprovada pelo Parlamento sob mira de revólver. Os militares ameaçavam realizar revoltas e até um golpe de Estado caso não recebessem perdão. Com o fim dos perdões, de 500 a mil militares e policiais (dos quais apenas 10% continuariam na ativa) podem ser processados. Alfonsín considerou a decisão da Corte Suprema "uma prova de que a democracia está consolidada".

A ditadura argentina foi a que mais matou na América do Sul. Foram cerca de 30 mil vítimas, entre elas, velhos e crianças, das mais variadas classes sociais e tendências políticas. O regime é considerado o mais cruel da região. Morreu ou desapareceu uma pessoa para cada grupo de 900 (ler ao lado). É por isso que hoje na Argentina uma grande parcela da população conhece pelo menos uma família que teve um membro assassinado. Os militares também implementaram um saque organizado das propriedades privadas de suas vítimas, além de seqüestrar os filhos de várias. Calcula-se que 500 crianças foram raptadas.

Em 1985, Alfonsín, na época o primeiro presidente civil após a ditadura, propiciou o julgamento dos militares envolvidos nos crimes contra a Humanidade. A série de processos ficou conhecida como o "Nuremberg" argentino. Nos quartéis, a preocupação crescia, já que as Forças Armadas estavam perdendo prestígio e poder aceleradamente.

Em dezembro de 1986, uma série de rebeliões militares conseguiu pressionar o Parlamento a aprovar a lei de Ponto Final, que determinava que os processos tinham um prazo limitado para serem abertos. Por causa do curto tempo estipulado pelo Ponto Final (apenas 30 dias), milhares de processos nunca foram iniciados.

Em 1987, os quartéis, enfurecidos com os processos de 500 militares, rebelaram-se novamente. O levante, organizado pelos oficiais "carapintadas", ficou conhecido como a "rebelião da Semana Santa". O governo Alfonsín e o Parlamento sentiram-se forçados a implementar um perdão, a lei de Obediência Devida, que determinava que os oficiais de menor grau e suboficiais somente haviam cometido os crimes por obedecerem ordens superiores.

Desta forma, ficou livre a grande maioria dos militares que não tinham sido condenados. Em dezembro de 1990, Carlos Menem, sucessor de Alfonsín, indultou os altos líderes da ditadura, entre eles, o general Jorge Rafael Videla e o ex-almirante Emilio Massera.

Apesar dessas leis, ao longo dos últimos cinco anos os organismos de direitos humanos encontraram uma saída legal para colocar parte dos ex-repressores na cadeia. Processaram militares envolvidos nos seqüestros de crianças, delito que não foi contemplado pelos perdões. Desta forma, voltaram à prisão líderes militares como Videla, Massera e o já falecido ex-general Leopoldo Fortunato Galtieri, outro ex-presidente. Para muitos argentinos, o castigo imposto a esses líderes não foi suficiente. Como todos tinham mais de 70 anos, puderam ficar em prisão domiciliar.