Título: Uma vida em nome do pai
Autor: Angelica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Metrópole, p. C5

Vistas em retrospecto, a vida e obra do santista Edinho são uma costura de ligações absolutas com o homem que o colocou no mundo. No dia em que nasceu, 27 de agosto de 1970, já recebeu o nome do pai, Edson. Quando começou em sua primeira profissão, em 1991, escolheu o mesmo ramo que escancarou para o mundo a genialidade paterna, o futebol. Atravessou rápidos momentos de glória, em 1995, como goleiro no time que consagrou o Atleta do Século, o Santos. Virou empresário, em 2002, e foi trabalhar na empresa que gerencia os negócios de uma das marcas mais famosas do mundo, a Pelé. E - nos últimos dias - dormiu em um sofá rasgado do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), depois de ter sido flagrado dizendo a um amigo acusado de tráfico a seguinte frase: "Você entra com o dinheiro, eu entro com o nome do meu pai." Aos 34 anos, casado, pai de duas meninas, Edson Cholbi Nascimento nunca conseguiu se descolar da imagem de Pelé. E, sempre que tentou, arrumou encrencas. Nas reuniões de família, Pelé gosta de puxar risadas contando histórias da infância de seu primeiro filho homem. Uma de suas preferidas narra o dia em que, aos 6 anos, Edinho abriu a porta do apartamento onde morava com a mãe e duas irmãs, em Nova York, e deu de cara com o pai que voltava de mais uma viagem. Reagiu com um berro: "Mãe, olha quem tá aqui: é o Pelé!"

"Todo mundo acha graça do dia em que o filho reconheceu o jogador e não o pai", diz a sobrinha do Rei, Danielle do Nascimento Zilli. A lembrança é parte do acervo pessoal do atleta do século. Mas poderia ser metáfora da biografia de um homem que convive com o susto de ser filho de quem é.

Saudado ao nascer como o "príncipe brasileiro" - e agora preso em uma delegacia, com o futuro suspenso no ar -, Edinho é descrito pelos amigos como um sujeito cordato, fissurado por filmes de ação, louco por cachorros, admirador de armas e alucinado pelas filhas, Stephany, de 5 anos, e Sophia, de 2. É casado com Jessica, uma moça que chamou a sua atenção quando saía, com um caderno nas mãos, do Colégio Coração de Maria, em Santos. Costuma dizer que já passou por várias fases na vida - e é verdade.

Dos 5 aos 20 anos, Edinho morou em Manhattan com a mãe, Rosemeri dos Reis Cholbi, a primeira mulher de Pelé, e as irmãs, Kelly Cristina e Jennifer. Gostava de beisebol - e chegou a ser escolhido o melhor jogador de sua escola, em um festão no Madison Square Garden. Também tinha amigos no bairro barra pesada do Bronx, onde começou a ouvir rap, aprendeu algumas gírias e, relatam amigos, travou seu primeiro contato com a maconha. Três pessoas próximas de Edinho contam que, no período em que morou nos Estados Unidos, ele teve problemas por causa da droga. Certa vez, foi pego fumando na escola. Noutro episódio, seu melhor amigo foi preso e acusado de tráfico. Segundo relatou Edinho a pessoas de seu convívio, ele voltou ao Brasil depois desse incidente, por ordem do pai.

Homem de paixões rápidas, Edinho chegou dos Estados Unidos decidido a seguir carreira como goleiro. "Ele fez algumas partidas boas, mas não se firmou", lembra Pepe, técnico que escalou o jogador para o time titular do Santos e foi padrinho do primeiro casamento de Pelé. O ex-goleiro foi vice-campeão brasileiro em 1995, mas terminou sua carreira logo em seguida. Quando se afastou do futebol, ficou empolgado pelo motociclismo. Durante dois anos, foi piloto de motocross. "Ele chegou a ganhar uma prova difícil, na areia", conta Carlinhos Romagnolli, organizador do campeonato Arena Cross.

Em 2002, Edinho desistiu de ser piloto e resolveu debutar como empresário. Pelé ficou animado. Em meio à guerra de acusações mútuas de desvio de dinheiro que travava com seu ex-sócio Hélio Viana, o Rei achou que o filho poderia assumir o comando de seus negócios. Edinho encheu o armário de ternos e sapatos italianos e entrou em campo. Em seu primeiro negócio na empresa, desenhou uma parceria para lançar bonequinhos que reproduziam a imagem de Pelé. Com o contrato de U$ 100 mil quase fechado, telefonou para o pai e perguntou se poderia ficar com o dinheiro. Conseguiu a autorização e foi a uma loja de motos para gastar por conta. Comprou três modelos, mas o negócio não saiu - e Pelé deu dinheiro ao filho para pagar a conta das motocicletas.

O segundo projeto de Edinho era mais grandioso. Ele planejou montar uma prova de motocross, a Copa PelePro, com investimento de R$ 3 milhões. O evento foi um fiasco. Das cinco cotas de patrocínio, só uma foi vendida - e depois que Pelé pegou o telefone e ajudou pessoalmente na captação de recursos. Das seis etapas planejadas, só quatro saíram do papel. "Edinho ficou desapontado, esperava que o campeonato vingasse", conta Romagnolli, que ajudou na montagem do evento e depois foi convocado por Pelé para tentar aplacar a ira das empresas, que ameaçavam cobrar cláusulas contratuais.

Para evitar problemas maiores, Pelé tirou dinheiro do bolso e depositou na empresa aberta pelo filho para o evento, a Mundo Radical. Não adiantou muito. O ex-goleiro responde a meia dúzia de processos na Justiça. Dois são movidos por um ex-diretor da empresa, Alexandre Otávio Magalhães. Um deles é uma ação trabalhista. O outro, uma ação por conta de dois cheques sem fundo que recebeu de Edinho. Como nunca conseguiram citar o ex-goleiro, os advogados de Magalhães agora prometem ir atrás dele na delegacia. "Vamos tentar promover a citação no Denarc, mediante autorização judicial", avisa Abrão Jorge Miguel Neto, do Ávila, Nogueira, Miguel Neto e Aidar Advogados.

Edinho tem ainda mais uma penca de pendências judiciais. Em uma das ações, movida pelo Banco Itaú, é acusado de não ter pago um empréstimo para comprar um Volvo blindado. Em outras duas, é citado por problemas com cheques. E, na mais famosa, é acusado de participação na morte de um aposentado durante um pega em Santos. O julgamento está marcado para o dia 14 de julho.

EDÃO E O REI

Quando o campeonato de motocross fracassou, Edinho passou um tempo evitando sair do flat em São Paulo onde ficava hospedado, de segunda a sexta-feira. Decidiu ir em frente - mas acabou mergulhando em outra polêmica. Enquanto trabalhava no escritório do pai, recebia salário da Global Pelé Brasil, empresa especializada em gerenciamento de imagem aberta em parceria com o americano Shep Messing, ex-colega de Pelé no Cosmos. A empresa, no entanto, atrasou o pagamento do ex-goleiro, estipulado em R$ 10 mil, durante dois meses. Irritado, Edinho resolveu sair da empresa e abrir outra. Criou a Global Sports Brasil. Os americanos cogitaram processá-lo por causa da semelhança entre os nomes das empresas, mas desistiram para não brigar com Pelé. Rodeado por dívidas e contestações judiciais, Edinho não conseguiu encher sua nova empresa de negócios - nem sair do raio de influência do pai. "Hoje temos dois projetos. Um café temático com o nome de Pelé e um museu itinerante com a história dele", explica Ibrahim Bittar, sócio do ex-goleiro.

Em 1950, o pai de Pelé, João Ramos do Nascimento, o Dondinho, armou um time de futebol em Bauru para que o filho pudesse jogar, o Sete de Setembro. Já transformado no mais famoso jogador do planeta, Pelé se dedica a montar times imaginários para seu filho ao salvá-lo de cada novo apuro. Os dois têm uma relação carinhosa - e costumam se referir ao outro com orgulho. Nos momentos em família, Pelé às vezes chama o filho de "Edão". Edinho responde chamando o pai de "Rei". E vai tentando se ajeitar no mundo, apesar de seu pai ser também o melhor de todos.

"É uma tarefa complicada. Todo filho quer superar os pais, e os pais esperam isso. Mas, se para qualquer pessoa é difícil trilhar um caminho próprio, para o filho de um rei que não tem bastão para passar é mais difícil ainda. Vivendo em nome de seu pai, ele não conseguiu achar seu caminho ainda", analisa Lulli Milman, psiquiatra e psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).