Título: Porto de Santos, moderno e obsoleto
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Economia, p. B4

No maior porto da América Latina, os contrastes saltam aos olhos. Já na chegada a Santos, o cenário exuberante visto da serra é esquecido rapidamente pelo caótico trânsito de caminhões, cegonheiras, trens e carros de passeio. As diferenças ficam mais visíveis dentro do terminal, onde a alta tecnologia convive lado a lado com máquinas e equipamentos obsoletos, mão-de-obra sem qualificação e construções antigas e degradadas. Responsável por 27,1% do comércio exterior do País, o Porto de Santos é considerado o mais importante e estratégico terminal do Brasil. Tem 7,7 milhões de metros quadrados de área, movimenta cerca de 68 milhões de toneladas de carga e recebe 4.995 navios por ano. Em 2005, até abril, a movimentação havia sido recorde, atingindo 21 milhões de toneladas no primeiro quadrimestre. Até o fim do ano, a expectativa é alcançar 75 milhões de toneladas - 10% mais que em 2004.

A modernização do porto teve início com a privatização, em 1995. De lá para cá muita coisa mudou com o volume de investimento feito pela iniciativa privada para elevar a produtividade dos terminais. Mas as melhorias não foram homogêneas. Ainda hoje há empresas que operam com equipamentos antigos em instalações precárias.

Os terminais de contêineres estão entre os que investiram mais na modernização da operação portuária. Na Santos Brasil e na Libra, por exemplo, guindastes antigos foram substituídos por portêineres de última geração, capazes de movimentar 20 contêineres por hora. Para se ter uma idéia, os equipamentos mais obsoletos fazem cerca de oito movimentos por hora. Apesar de lento, ainda há muitos desses guindastes espalhados no porto. A explicação é que os portêineres são equipamentos caros para a capacidade de muitos terminais. Mas isso reduz a produtividade do porto, dizem especialistas.

Além dos terminais de contêineres, as empresas ligadas ao agronegócio, como Cargill, Copersucar, Cosan e Citrosuco, investiram pesado na modernização de suas instalações. As companhias do setor sucroalcooleiro, por exemplo, têm os terminais mais modernos do cais de Santos, o maior exportador de açúcar do mundo. Nesse caso, o produto a granel é retirado dos armazéns em esteiras e jogado nos navios por meio de shiploaders (braços mecânicos que fazem a descarga no porão do navio).

O tempo gasto é bem menor, afirma o funcionário da Cosan, Altamiro Fernandes, de 58 anos. Segundo ele, com esses equipamentos é possível carregar 54 mil toneladas de açúcar em 24 horas. "Há dez anos, podíamos gastar 50 dias", destaca ele. Na quinta-feira, enquanto terminava de encher um navio com destino ao Canadá, Fernandes lembrou de toda a transformação pela qual o Porto de Santos tem passado.

"Ainda tenho calo nas mãos de puxar cordas para embarcar as mercadorias nos navios. Antes era tudo na mão. Hoje é tudo com o rádio", comentava ele, que trabalha há 35 anos no porto. Para não deixar o navio adernar (encher de um lado só) só a comunicação com o rádio, diz Fernandes, um catarinense que chegou em Santos na década de 70. "Adoro essa modernidade. Antes, os equipamentos eram inadequados e exigiam força. Hoje, exigem inteligência."

Para ter toda a modernidade a que Fernandes hoje está acostumado, a Cosan optou pela construção e reforma de alguns armazéns. Outros projetos serão iniciados este ano e devem ampliar a capacidade do terminal, afirma o diretor da empresa, Carlos Eduardo Bueno Magano. Segundo ele, a Cosan deve movimentar neste ano 4,2 milhões de toneladas, volume que será ampliado em 2006. "Há dez anos, eram cerca de 350 mil toneladas", lembra.

Como a Cosan, a Copersucar e o Teaçu, do Grupo Nova América, também modernizaram suas instalações e deram mais capacidade de embarque aos terminais. No Teaçu, as esteiras fazem descarga de açúcar a granel e em sacos. Mas não muito distante dali a reportagem do Estado pôde presenciar o embarque de açúcar à moda antiga. Vários trabalhadores retiravam, um a um, os sacos de açúcar de um caminhão para embarcar no navio.

O método é demorado. Primeiro, o trabalhador tira as embalagens do caminhão, joga para outra pessoa que está no chão empilhar numa correia que, em seguida, é içada pelo guindaste do próprio navio. Lá dentro, no porão da embarcação, outros homens trabalham, sem parar, para colocar todos os sacos em ordem.

Nesse esquema, um navio com 280 mil sacos de açúcar pode demorar até uma semana para ser liberado, afirmou um funcionário do porto, que não quis se identificar. No caso da embarcação acompanhada pelo Estado, por ser de pequeno porte, a expectativa é que seria liberada no dia seguinte, às 9 horas da manhã. Ou seja, 19 horas depois.

Para o diretor Comercial e de Desenvolvimento da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Fabrízio Pierdomênico, há contrastes em Santos, mas já houve muito progresso desde a privatização. Hoje, 95% de toda a área está arrendada à iniciativa privada. "Os investimentos mínimos previstos nos contratos foram cumpridos. Alguns foram além do exigido, mas outros pararam por aí."

Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para que o Porto de Santos alcance a produtividade dos maiores terminais do mundo. Segundo dados do professor do Centro de Logística da Coppead, Paulo Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um exemplo é a movimentação de contêineres. Enquanto em Santos são feitos 40 movimentos por hora, no porto de Los Angeles, nos Estados Unidos, são feitos 75 por hora. A diferença, diz ele, é que lá o número de máquinas trabalhando para encher o navio é maior. "Em Los Angeles, eles usam três portêineres para encher um navio e aqui, dois." As empresas prometem investimentos de peso, como o Terminal Intermodal de Santos (TIS), para granéis líquidos, e o Terminal de Veículos (TEV).