Título: Dependência alarma setor de gás
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Economia, p. B6

A crise boliviana colocou em alerta o mercado brasileiro de gás natural, ainda muito dependente das importações do País vizinho e trouxe à tona lembranças do extinto Pró-Álcool, que frustrou milhares de brasileiros que aderiram ao combustível derivado da cana-de-açúcar nos anos 80. Desta vez, indústrias, comércio e motoristas colocaram as barbas de molho. Afinal, investiram na conversão de equipamentos para o novo combustível e, de uma hora para outra, foram surpreendidos com a ameaça de racionamento. Especialistas temem que o risco de cortes no fornecimento possa reduzir o ritmo de expansão do gás no País. O professor Edmilson dos Santos, da USP, lembra que, nesse mercado, qualidade e confiança no suprimento valem mais do que o preço. No início dos anos 90, diz, os usineiros deixaram de abastecer o mercado com álcool combustível e selaram o fim do Pró-Álcool. "Só após mais de 10 anos é que o álcool está se recuperando. Mesmo assim, às custas de grandes deságios que têm sido oferecidos aos consumidores, para que aceitem comprar veículos bicombustíveis."

"Uma falha no suprimento de gás em São Paulo jogará o desenvolvimento do mercado de gás paulista às trevas", avalia. Santos já detecta um movimento entre os clientes da Comgás, distribuidora paulista, de retração ao combustível. Gente que não vai mais converter equipamentos ou que pretende deixar de usar gás natural. "O crescimento do mercado de gás natural veicular parou desde a semana passada."

Analistas apontam, como alternativa, reduzir a dependência da Bolívia, único país latino-americano a receber classificação de alto risco geopolítico, em relatório da consultoria política Arko Advice, por causa do momento de de "esfacelamento político" que atravessa.

Para começar, sugere o consultor Jean Paul Prates, especialista em petróleo e gás da consultoria Expetro, a Petrobrás deveria trabalhar para reduzir o desperdício de gás natural no País. Cerca de 9 milhões de metros cúbicos (m3) são queimados desnecessariamente todos os dias, por falta de infra-estrutura para escoar o produto ao continente. O volume equivale ao consumo de térmicas e refinarias da Petrobrás, primeiros segmentos atingidos caso haja racionamento.

"Em vez de ir para o Peru buscar gás, tem de usar o gás que queima aqui", diz Prates, referindo-se a um projeto de construção de um gasoduto ligando as reservas peruanas de Camisea a Argentina e Brasil. Os investimentos no gás de Santos também são outra alternativa para o futuro. Lá, a Petrobrás encontrou cerca de 200 bilhões de m3. Só do campo de Mexilhão seria possível extrair 15 milhões de m3 por dia.