Título: Internet vem antes da luz em Almécegas
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Economia, p. B12

Hugo Henrique Marcos da Silva, de 10 anos, cursa a 6.ª série. Ele usa a internet na escola e não tem computador em casa. Também não tem telefone, energia elétrica, água encanada ou esgoto. Ele mora no vilarejo de Almécegas, a 130 quilômetros de Fortaleza, onde cerca de 800 pessoas vivem sem acesso aos serviços públicos. Na localidade, todas as casas são como a do menino. Os cinco computadores da Escola de Ensino Fundamental Santa Luzia funcionam à energia solar, instalada pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis (Ider), de Fortaleza. "Temos que trabalhar uma hora e deixar os micros desligados por meia hora, para carregar as baterias", explica o professor Raulindo Ramos Menezes, de 28 anos, responsável pelo laboratório. São seis baterias de caminhão que armazenam energia para a escola.

Instalado há dois anos, o centro de acesso tornou-se uma janela para o mundo para os habitantes de Almécegas, localidade que pertence ao município de Trairi. "A gente fala com pessoas de outros lugares", aponta Hugo, um dos quatro alunos da escola que estão sendo preparados para se tornar monitores. Recentemente, ele participou, com seus colegas, de um bate-papo via internet com alunos de escolas da Bahia e de Rondônia. Em 19 de abril, Dia do Índio, fizeram uma videoconferência com a tribo Fulni-ô, de Águas Belas (PE), que dançou para as crianças de Almécegas.

Hugo mora ao lado da escola, com a mãe Cristina, o padrasto Pedro, e três irmãos menores: Pedro Ivo, Ivan e Yuri. A mãe trabalha como auxiliar na escola. O padrasto está desempregado. "Saber usar o computador é importante", afirma Pedro, padrasto de Hugo, que participou do mutirão que construiu o centro de informática. "É o que vale hoje." Pedro, assim como a maioria da população local, vive da agricultura. O programa Bolsa Família, do governo federal, é fundamental para a sobrevivência da comunidade.

O laboratório, que faz parte de um projeto do Instituto Telemar, não tem ventilador ou ar-condicionado. Este ano, três computadores tiveram que ser trocados. Eles começaram a travar e dar mensagens de erro e, quando o técnico os abriu para ver o que acontecia, descobriu que as placas estavam derretendo. Não teve jeito. A escola entra na rede por uma conexão via rádio, instalada pela operadora, com velocidade de 128 quilobits por segundo, o que equivale a pouco mais de duas vezes uma conexão discada. A outra alternativa de comunicação da comunidade é um orelhão, instalado próximo da antena do rádio.

Com dois anos de funcionamento, o centro de internet já deu alguns resultados. "As crianças desenvolveram mais visão crítica", explica Raulindo. "Antes, ficavam acanhadas na sala de aula. O professor perguntava e elas não respondiam. Com os computadores, passaram a ter mais facilidade de se comunicar." Mas não foi só isso. A coleta do lixo chegou há um mês à escola. Para o professor, um dos motivos foi o trabalho desenvolvido pelas crianças pela internet.

A escola participa do Almanaque Digital, uma espécie de gincana pela internet que a Telemar promove para as escolas que apóia. Um dos trabalhos tratava de reciclagem de lixo e as atividades envolveram representantes da prefeitura. "Antes, tínhamos que enterrar o lixo, apesar de saber do impacto negativo no ambiente. Havíamos mandado vários ofícios da prefeitura, sem resposta", lembra Raulindo. Foi a gincana eletrônica que acabou por sensibilizar a administração local.

À noite, o centro de informática da Escola Santa Luzia não funciona, para não descarregar as baterias e permitir que as crianças possam usar os computadores logo de manhã. A escola, porém, ministra cursos de ensino fundamental para adultos, os pais das crianças que lá estudam durante o dia. Nas casas, o mais comum é a luz do candeeiro. Nas ruas de terra, a escuridão contrasta com um céu estrelado como nunca é visto nas grandes cidades.

A casa de Maria Ivone da Silva, de 12 anos, tem televisão. Um aparelho pequeno, com imagem em preto e branco. Aliberto, pai de Ivone, liga a TV em uma bateria de carro, para assistir com a mulher e os cinco filhos. A cada período de 12 ou 15 dias, Aliberto tem que ir ao centro de Trairi para recarregar a bateria da televisão. O que eles assistem? As novelas, o jornal e o jogo de futebol.

Aliberto está animado com os progressos da filha no domínio do computador. "Rapaz, a Ivone diz que acessa a internet, faz desenho, conhece outras pessoas lá de fora", conta o pai da menina. "É muito importante para ela e para gente. É um orgulho muito grande ver que, na idade em que ela está, a Ivone consegue conhecer, pelo computador, várias coisas que existem no mundo." Ele espera que os outros filhos possam seguir pelo mesmo caminho.

Ivone pertence à quarta geração da família a morar em Almécegas. Seu pai trabalha como agricultor, como fizeram antes seu avô e seu bisavô. "Quero ser professora", afirma Ivone, que cursa a 6.ª série, pela manhã. Seu pai Aliberto e sua mãe Elita freqüentam a Escola Santa Luzia, à noite, onde também cursam a 6.ª série.

Para Aliberto, a internet é muito importante para a comunidade. "A gente já consegue cadastrar o CPF aqui mesmo, sem ter que ir para o centro de Trairi", explica o pai de Ivone. "Já pode fazer um pedido de salário-maternidade ou aposentadoria, sem pegar fila." Ele teve contatos com o computador, onde viu fotos das praias da região, mas ainda não sabe como usá-lo. "É bom demais para a gente."