Título: Lula agora está certo!
Autor: Rubem de Freitas Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Economia, p. B2

Diante da resistência da inflação ao remédio dos juros, muito tem sido dito e escrito sobre a política monetária e de crédito. O presidente Lula, por exemplo, pouco depois de erroneamente culpar a inércia da população pelos juros altos, afirmou que ¿as pessoas falam que o aumento da taxa Selic vai diminuir o consumo, mas a verdade é que a quantidade de dinheiro que está sendo jogada no mercado não está prevista nos manuais da ordem econômica deste país¿. Até parece um alerta de Milton Friedman ou de Affonso Pastore, mas é do Lula mesmo! Na contramão do presidente, o então secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, pouco antes de se retirar da equipe de Palocci, declarou que ¿a expansão do crédito nos níveis atuais é saudável, e não inflacionária, pois o governo não está rodando a guitarra¿. Ora, é questão indiscutível no Brasil que a proporção crédito ao setor privado/PIB é muito baixa e precisa ser incrementada para melhor funcionamento do sistema econômico. Como o nosso sistema bancário está entre os mais eficientes do mundo e como nossos empresários e consumidores nada ficam a dever aos de outros países em matéria de agressividade, a razão muito simples e direta para a baixa proporção mencionada é o expressivo tamanho do endividamento público, que chupa quase toda a poupança e precisa ser reduzido para abrir espaço à economia privada.

Vale notar que, desde que haja moderação na expansão monetária e lembrando sempre que passivos bancários (moeda) estão umbilicalmente ligados aos ativos bancários (crédito), qualquer expansão exagerada numa modalidade de crédito terá de ser feita às expensas de outra modalidade. Portanto, se os créditos para empresas, para pessoas físicas e para o setor público estão crescendo simultaneamente a taxas elevadas, temos um sinal inequívoco de que a ¿guitarra¿ está, sim, sendo rodada.

Hoje aparecem as mais estranhas explicações para a resistência da inflação aos medicamentos ministrados pelo Banco Central: juros altos teriam efeito perverso, pois aumentariam a demanda agregada pela via do enriquecimento dos credores do governo; juros em alta sinalizariam que as autoridades estão vendo tempestades logo adiante, assustariam o mercado e jogariam expectativas ainda mais para cima; juros altos elevariam custos empresariais e forçariam aumentos de preços para recomposição das margens de lucros, etc., etc. Muitos parecem esquecer que, após a forte desvalorização cambial de 1999, a política monetária austera foi capaz de domar a inflação. O mesmo ocorreu no início deste governo, quando a inflação chegou à casa de 16% e depois retrocedeu para a faixa de 7% ao ano. Não tem sentido, portanto, o apelo à heterodoxia.

Cabe, sim, como bem mencionou o presidente Lula em sua primeira entrevista coletiva à imprensa, cerrar fileiras em torno da equipe do ministro Palocci e ajudar a política de juros com outros instrumentos, para que ela possa ser atenuada. Lula também declarou que não recorreria em hipótese alguma à pirotecnia ineficaz dos controles de preços, de tão triste memória. Restariam, assim, dois movimentos óbvios para quem só acredita em remédios testados universalmente e tem ojeriza a soluções mágicas.

Um se refere à política fiscal, que parece querer fugir dos trilhos. Por dois anos assistimos a um forte esforço de contenção de gastos públicos (infelizmente, concentrado nos investimentos), que permitiu substancial redução do déficit nominal. Os dados que nos chegam para o primeiro trimestre de 2005, entretanto, são decepcionantes. Se as receitas do governo central cresceram 5,9 %, as despesas cresceram 8,8 % em termos reais, sobre igual período de 2004. Despesas de custeio terão de ser substancialmente contidas, em época de costura de alianças políticas, se quisermos realmente ajudar as autoridades monetárias no combate à inflação.

O outro movimento diz respeito à expansão da moeda e do crédito fora dos padrões recomendados em manuais de economia. Não dá para manter por muito tempo taxas anuais de expansão dos indicadores monetários e de crédito próximas e acima de 20% sem incorrer em risco de uma inflação de dois dígitos.

Lula parece ter consciência dos problemas existentes e do caminho certo a percorrer. Afirma seguidamente que não se deixará desviar das políticas corretas em função do calendário político. Que assim seja e que Deus o proteja!